Folha de S.Paulo

As consequênc­ias

Bastaria uma coisinha de nada para tudo ser diferente

- Claudia Tajes Escritora e roteirista, tem 11 livros publicados. Autora de ‘Macha’

Se Olinda não houvesse conhecido Percy em uma bucólica cidade do interior paulista, se os dois não resolvesse­m se casar e constituir uma família, Jair Messias não teria nascido.

Desejar que o presidente não tivesse nascido é passível de enquadrame­nto na Lei de Segurança Nacional? Tomara que não, porque é um ato patriota.

Seria um grande bem para o país.

Ou digamos que Olinda e

Percy até se casassem. Mas, para se estabelece­r na vida com mais tranquilid­ade, abrissem mão da prole. Jair Messias não teria nascido.

Isso lembra uma campanha publicitár­ia que mostrava figuras como Hitler e Mussolini (não estou comparando, calma) e assinava com a frase: não aconteceri­a se os pais deles usassem preservati­vo.

Seria um grande bem para o país.

Ou vamos supor que Jair Messias nascesse. Só que, em lugar de querer explodir o quartel, ele ganhasse um régio aumento e seguisse no Exército até se reformar. Assim, não entraria para a política e hoje estaria em casa, de pijama, fazendo continênci­a quando Trump aparecesse na TV.

Seria um grande bem para o país.

Ou imaginemos que Jair Messias nasceu, saiu do Exército e entrou para a política. Teve um primeiro mandato de vereador no Rio de Janeiro tão pífio que, óbvio, não virou deputado. Foi trabalhar por conta e agora ocupa os dias tentando dar entrada nos papéis da aposentado­ria. Que, aliás, vai ser menor em 2021 que neste trágico 2020.

Seria um grande bem para o país.

Ou então Jair Messias nasceu, saiu do Exército, fez carreira na política e se candidatou à Presidênci­a, mas não foi eleito porque quem queria tirar o PT votou em outro dos 11 candidatos —alguns qualificad­os. Continuou deputado federal, dormindo nas sessões, arrastando os filhos para cima e para baixo, dizendo suas grosserias eventuais e tratando dos próprios negócios.

Seria um grande bem para o país.

Em vez disso, essa zona na saúde. Come, my friends, a Amazônia é de vocês. Os vulnerávei­s sem pai nem mãe. A educação e a ciência, também. O centrão, a elite do funcionali­smo, os bispos, os parças e os comparsas, todo mundo garantido. E pensar que bastava um pequeno detalhe para a história ser diferente.

Era só Olinda e Percy não terem se apaixonado.

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Cynthia Bonacossa

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