Folha de S.Paulo

Atleta que gritou ‘fora, Bolsonaro’ critica CBV depois de ameaça de punição

Carol Solberg, que gritou ‘fora, Bolsonaro’ após jogo de vôlei de praia, afirma que confederaç­ão não teve mesma reação com Wallace, em 2018

- Carlos Petrocilo

“Não tenho a menor ideia do que vai acontecer, mas a reação da CBV no meu caso foi bem diferente do ocorrido com o Wallace. Isso mostra alguma coisa

Carol Solberg

jogadora de vôlei de praia

SÃO PAULO A jogadora de vôlei de praia Carol Solberg, 33, teve uma manhã de segunda (21) agitada, atropelada pelos cuidados com os dois filhos e a repercussã­o do seu protesto contra o presidente Jair Bolsonaro no último domingo (20).

Em entrevista ao SporTV após conquistar a medalha de bronze da primeira etapa do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia, em Saquarema (RJ), ela disse: “Só para não esquecer: fora, Bolsonaro!”

Após a declaração, a Confederaç­ão Brasileira de Voleibol (CBV) divulgou uma nota de repúdio à manifestaç­ão da atleta e disse que tomará “as medidas cabíveis para que fatos como esses, que denigrem a imagem do esporte, não voltem mais a ser praticados”.

Em entrevista à Folha, Carol afirma ser lamentável que ela sofra uma ameaça de punição em consequênc­ia de exercer sua liberdade de expressão.

“Não sou ativista, mas me sinto na obrigação de me posicionar e é lamentável e curioso que eu possa ser punida por exercer a minha liberdade de expressão contra este desgoverno”, afirmou Carol.

“Não tenho a menor ideia do que vai acontecer, mas a reação da CBV no meu caso foi bem diferente do ocorrido com o Wallace [jogador da seleção masculina de vôlei]. Isso mostra alguma coisa.”

Em meio à eleição presidenci­al, em 2018, Wallace e Maurício Souza fizeram o número 17 com os dedos numa foto durante disputa do Campeonato Mundial, em alusão ao número de Bolsonaro, então candidato à Presidênci­a.

O registro com o ato da dupla chegou a ser publicado pela CBV em sua conta no Instagram. A entidade, porém, removeu a imagem e publicou uma nota em que dizia não compactuar com manifestaç­ão política. “Porém, a entidade acredita na liberdade de expressão e, por isso, não se permite controlar as redes sociais pessoais dos atletas, componente­s das comissões técnicas e funcionári­os”, afirmava a nota da confederaç­ão.

A reação da entidade ao protesto da atleta passou a ser questionad­a nas redes sociais desde a tarde de domingo. Fãs do vôlei e apoiadores de Carol a compararam com o tratamento da CBV, cujo maior patrocinad­or é o Banco do Brasil (desde 1991), diante do ato dos jogadores em 2018.

Houve também pedidos para que o banco deixasse de apoiar a jogadora, mas ela não conta com patrocínio do Banco do Brasil. No Circuito Brasileiro, ela usava um top com a logomarca da estatal por causa do patrocínio à CBV.

Nesta segunda, a Comissão Nacional de Atletas de Vôlei de Praia da CBV também repudiou o gesto de Carol. Em nota, o presidente da comissão, o ex-jogador Emanuel Rego, diz que “lutará ao máximo para que este tipo de situação não aconteça novamente”.

Emanuel, que concorre como vice na chapa de Rafael Westrupp à presidênci­a do COB (Comitê Olímpico Brasileiro), foi demitido da área de alto rendimento da Secretaria Especial do Esporte do governo federal em junho deste ano.

Apesar das manifestaç­ões contrárias, a jogadora diz que está aliviada com o seu gesto.

“Esse grito não foi premeditad­o, estava no estômago. Recebi, sim, ataques, e mensagens de apoio de amigos, familiares. Muitos estão preocupado­s comigo, desde minha integridad­e física à minha carreira, o que mostra como este governo promove o ódio entre as pessoas”, afirmou.

Carol Solberg é filha da exjogadora de vôlei Isabel Salgado, que é uma das lideranças do movimento Esporte pela Democracia, criado neste ano. Em entrevista à Folha em junho, Isabel contestou a ideia de que atletas não devem se manifestar politicame­nte.

“O meu gesto é pequeno, mas por eu ser atleta acho importante soltar a nossa voz. Como calar-se diante de um governo que está queimando o Pantanal, são 140 mil mortos em decorrênci­a do coronavíru­s, é um desprezo pela cultura”, diz Carol.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil