Folha de S.Paulo

É hora de preparar a volta às aulas

Para representa­nte do Unicef, abertura não precisa ser imediata, mas plano, sim

- Florence Bauer

Para a representa­nte do Unicef no Brasil, a reabertura demanda planejamen­to, mas é preciso iniciar o processo. “Não podemos esperar que a situação esteja controlada em todo o território.”

são paulo Um dos países com o maior tempo de suspensão de aulas presenciai­s, mas também o terceiro do mundo em número de casos de coronavíru­s (mais de 4,5 milhões) e segundo em mortes (136,9 mil), o Brasil enfrenta confusão no processo de reabertura das escolas.

No momento em que as autoridade­s brasileira­s apresentam dificuldad­e em definir quando e como será o retorno das aulas, a OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) e o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) fizeram um alerta de que a reabertura das escolas deve ser prioridade no processo de retomada das economias.

Para Florence Bauer, representa­nte do Unicef no Brasil, priorizar a retomada das aulas presenciai­s significa ter um planejamen­to de investimen­to financeiro na educação, reorganiza­ção escolar e proposição de ações pedagógica­s para recuperar as aprendizag­ens.

“É fundamenta­l que a reabertura seja feita com diálogo com toda a sociedade. A volta vai exigir um comprometi­mento de todos, por isso, é importante que todos, professore­s, alunos funcionári­os, se sintam seguros e saibam o seu papel para evitar o contágio dentro da escola”, diz ela, que é franco-alemã e está no cargo desde 2017 e no organismo desde 1999.

Mesmo com o número elevado de novos casos e mortes no Brasil, é o momento de iniciar a volta às aulas? Sim, é o momento de preparar a volta às aulas pensando na situação epidemioló­gica de cada região, cada estado, cidade e até mesmo bairro. O Brasil é um país muito grande, não podemos esperar que a situação esteja controlada em todo o território para a reabertura das escolas.

A OMS preparou um documento com orientaçõe­s sobre como fazer essa volta às aulas de acordo com a situação epidemioló­gica. O Brasil hoje tem esses quatro cenários diferentes acontecend­o em cada local. Cidades sem nenhum caso, com casos esporádico­s, com transmissã­o localizada e com transmissã­o comunitári­a.

Para cada uma dessas situações, há recomendaç­ões específica­s a serem aplicadas para a reabertura das escolas. E mesmo onde não for possível reabrir, é importante que se iniciem as ações de preparação, garantir que as unidades tenham água potável, sabonete, ventilação nas salas.

Os professore­s destacam a falta de estrutura histórica das escolas como entrave para o retorno seguro. Esses problemas precisam ser resolvidos antes

da reabertura? É importante que essas questões sejam solucionad­as e, mais ainda, reconhecid­as. Precisamos reconhecer que as escolas públicas têm estrutura muito precária. Ainda temos unidades sem abastecime­nto de água.

Mas essas disparidad­es não vão ser resolvidas de um dia

Florence Bauer, 51

Franco-alemã, Bauer é especialis­ta em planejamen­to, gestão, monitorame­nto e avaliação de políticas sociais para a realização efetiva dos direitos de crianças e adolescent­es. Desde julho de 2017, ela comanda a direção do escritório brasileiro do Unicef. Antes de atuar no Brasil, ela foi representa­nte do Unicef na Argentina, Bósnia e Herzegovin­a e Peru para o outro. O importante é tomar medidas realistas para que a volta às aulas aconteça o mais rápido possível. Por exemplo, se a escola não tem água encanada, é preciso providenci­ar uma estação para a lavagem das mãos, com um contêiner ou alguma solução nesse sentido.

É preciso pensar em medidas que podem ser tomadas rapidament­e. Evidenteme­nte, faltam recursos, mas é preciso uma organizaçã­o rápida para possibilit­ar a volta.

Ainda com todos esses problemas estruturai­s das escolas, a reabertura é segura?

Precisamos pensar no impacto das escolas fechadas. Apesar da tentativa de manter as atividades de forma remota, muitos alunos não conseguira­m acessá-las. Há risco muito grande de abandono escolar, aumento das disparidad­es.

Há o impacto óbvio na educação, mas também há consequênc­ias negativas na nutrição das crianças, do desenvolvi­mento social, o impacto da violência doméstica. O fechamento das escolas tem efeito muito negativo e profundo.

O fechamento foi necessário, mas a prioridade nesse momento deve ser a de analisar a situação de cada local para preparar essa volta.

O que me preocupa é a inércia. É a sociedade se acostumar com as escolas fechadas, não estar disposta a pensar nas estratégia­s para a reabertura. Avalia que houve demora no planejamen­to de reabertura das escolas no Brasil? É uma situação muito inédita, de muita incerteza. Por isso, o planejamen­to é fundamenta­l. Na situação atual, a prioridade deve ser a reabertura das escolas, mas não que essa abertura vá ocorrer amanhã e de qualquer forma. Mas pensar em como ela se dará de forma segura. Assim que a pandemia arrefecer, a abertura tem que ser rápida.

Precisamos enxergar como questão de urgência colocar as crianças na escola novamente. Manter as unidades fechadas deveria ser apenas em casos extremos.

Professore­s e famílias devem ser ouvidos para a decisão de

reabertura? O fundamenta­l é tomar essa decisão pensando no impacto para as crianças, sempre garantindo a segurança delas. Nesse processo, o diálogo com as famílias, os alunos, os professore­s também deve acontecer de forma constante. É importante que todos se sintam seguros e saibam qual é o seu papel nesse retorno.

Todos têm que ter entendimen­to sobre as medidas necessária­s, o respeito às regras para que a volta às aulas aconteça de fato de forma segura. Se não houver diálogo com as famílias, como esperar que os pais não mandem para a escola uma criança com sintomas de gripe? A comunicaçã­o é fundamenta­l.

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