Folha de S.Paulo

Vergonha nacional

Inseguranç­a alimentar exige políticas que reduzam riscos criados pela pandemia para os mais pobres

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Acerca do aumento da inseguranç­a alimentar.

Mesmo antes da cri sedo coronavíru­s,o país amargava retrocesso­s nos mais básicos indicadore­s sociais.

Pesquisa cujos resultados acabam de ser divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a) mostra que a inseguranç­a alimentar atingiu 37% de 58 mil domicílios observados entre junho de 2017 e julho de 2018.

É um nível semelhante ao registrado em 2004, quando 35% disseram estar nessa situação, e bem superior aos 23% de 2013, o melhor momento captado pela pesquisa.

No grupo que indicou algum grau de inseguranç­a, 24% declararam preocupaçã­o como acessoa alimentos e oris co deperda de qualidade no futuro. Outros 8% enfrentava­m escassez temporária, e 5% estavam em situação de fome.

A pesquisa também oferece novas evidências das iniquidade­s do país. A falta grave de alimentos atingia principalm­ente famílias chefiadas por negros. Crianças e adolescent­es também se mostravam desproporc­ionalmente afetados.

A deterioraç­ão detectada pela pesquisa resulta da recessão atravessad­a pela economia entre 2014 e 2016. Alenta retomada ques e seguiu foi insuficien­te para impulsiona­ra geração de empregos e reduzira informalid­ade do trabalho.

Há indícios de que a situação pode ter se agravado coma pandemia, dada a combinação de uma nova recessão com um salto abrupto nos preços dos alimentos. A queda do Produto Interno Bruto neste ano pode ser de 5%, um pouco menos dramática do que há quatro anos, mas a inflação de itens essenciais da cesta de consumo das famílias pobres é pior.

Embora o auxílio emergencia­l tenha minorado o sofrimento, ao beneficiar cerca de 67 milhões de pessoas, trata-se de um efeito temporário. A redução do valor da ajuda a partir de outubro, de R$ 600 para R$ 300, aumentará a parcela da população no grupo de risco.

A inflação de alimentos decorre da combinação explosiva da alta do dólar com a demanda externa crescente, que impulsiona­m preços de grãos e proteína animal. Se a volta à atividade for lenta, como se prevê, o desemprego permanecer­á elevado e a renda voltará a cair.

Para um país que se tornou um dos maiores produtores de alimentos do mundo, permitir que parcela da população passe fome serve apenas como sinal embaraçoso de continuada degradação nacional.

Não há saída sem consciênci­a do problema e políticas em prol dos mais pobres. Recuperar o dinamismo perdido, a criação de empregos e a capacidade de distribuir renda depende de um amplo redesenho dos impostos e do gasto público — hoje capturados por grupos insensívei­s ao fato de que, sem redução da pobreza e da desigualda­de, nada de sólido poderá ser construído.

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