Enviarei meus filhos no 1º dia
O fechamento de escolas não nos blinda da Covid, gera perda educacional, riscos à saúde física e mental e desigualdades. Há riscos em reabrir? Sim. Mas, na minha opinião, eles são menores do que os potenciais benefícios.
Gestores públicos têm cometido três erros na discussão sobre aulas presenciais no contexto da pandemia.
Os primeiros são não comparar o risco de contaminação por Covid-19 nas escolas com aquele dos demais lugares que a criança frequenta e considerar prejuízo apenas a doença, e não os custos ao desenvolvimento das crianças sem aula.
O terceiro é acreditar que um decreto autorizando o retorno às aulas significará a obrigação da volta de todos, quando na verdade o que ele estabeleceria é um retorno opcional, faseado e preservando a saúde dos mais vulneráveis.
Estudo recente feito no Reino Unido e divulgado pela agência governamental de saúde pública mostrou que o ambiente escolar era mais seguro do que a residência dos alunos em termos de contágio (este e todos os estudos mencionados nesse artigo estão disponíveis em twitter.com/ gioschpe).
Não haverá estudo semelhante no Brasil até que tenhamos mais escolas abertas, mas imagino que o achado seja ainda mais verdadeiro aqui, onde tantas pessoas vivem em situação de vulnerabilidade sanitária.
O Brasil já conta 200 dias de escolas fechadas, enquanto em muitos outros países esse número ficou entre um e dois meses. Os países que reabriram suas escolas não tiveram repiques de infecção causados pela escola. Por isso a Agência Europeia de Saúde
(ECDC) publicou relatório em agosto relatando que a transmissão de Covid entre crianças na escola é incomum e mostrando que o fechamento de escolas é uma medida ineficaz no controle do vírus.
Finalmente, no início de setembro, OMS, Unicef e Unesco declararam explicitamente que “governos nacionais e locais devem priorizar a continuidade da educação”.
Estudo recente da OCDE e Harvard mostrou que só 4% dos gestores e professores acham que o aprendizado online equivale ao presencial. No Brasil, pesa ainda a questão do acesso: em quantas casas haverá aparelhos e conexão suficiente para que todas as crianças assistam todas as aulas? “Continuar a educação”, portanto, significa reabrir escolas.
Se o risco sanitário é relativamente baixo, o dano ao desenvolvimento das crianças é certo.
Calcula-se que um ano perdido de escola diminui a renda, ao longo da vida, entre 7% e 10%. Há aumento de problemas psíquicos de crianças confinadas; pesquisa recente mostrou que 74% dos jovens brasileiros se sentem tristes, ansiosos ou irritados.
No estado de São Paulo, o estupro de vulneráveis aumentou 11% neste ano no último mês disponível, e é provável que o número real seja maior, pois as escolas são polo importante na detecção e denúncia desse tipo de crime.
O fechamento de escolas não nos blinda da Covid, gera forte perda educacional, riscos à saúde física e mental e aumento de desigualdades.
Mas isso não quer dizer que o Estado pode compelir todos a voltarem às escolas. Há alunos, famílias e professores para os quais o retorno será arriscado demais. Precisamos de um retorno que permita aos mais suscetíveis permanecer em casa.
O que não podemos tolerar é a proibição do retorno, pois, para a grande maioria dos alunos e suas famílias, a volta à escola é não só legítima como desejável.
O retorno, mesmo faseado e sujeito a fechamentos temporários diante de focos de doença, servirá para que aprendamos a lidar com essa nova realidade. Escolas mais seguras compartilharão práticas com suas colegas. Gradualmente receberemos mais e mais alunos e professores.
Há riscos? Sim. Mas, na minha opinião, eles são menores do que os potenciais benefícios da reabertura. Cabe a cada família tomar essa decisão. Eu tenho três filhos em idade escolar e enviarei os três de volta à escola no primeiro dia possível.
Suspeito de líderes políticos que passam anos sem prover saneamento básico para os mais pobres e os deixam morrer na fila de espera de atendimento hospitalar, mas subitamente se tornam defensores intransigentes da saúde alheia na época de campanha.
Seria uma tardia epifania? Não. Se fosse, varejo e restaurantes ainda estariam fechados. O que está acontecendo agora é apenas o capítulo mais recente de um desprezo secular pela educação. Sempre que os interesses dos alunos conflitam com a agenda dos profissionais do ensino, a sociedade civil dá de ombros e os políticos usam esse silêncio para ceder às corporações. Antes ofereciam ensino de péssima qualidade, agora não querem nem abrir a escola. Até quando ficaremos calados?