Folha de S.Paulo

Reação afirmativa

Evidências de discrimina­ção racial no mercado de trabalho dão força a iniciativa­s de empresas

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Sobre discrimina­ção racial no mercado de trabalho.

O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão, em 1888, e até hoje a maioria de pretos e pardos paga preço exorbitant­e pelo atraso e pela marginalid­ade social a que ancestrais libertos foram relegados. Quase um século e meio depois, o preconceit­o ainda lhes reserva os piores empregos e salários.

Quem mais enfrenta obstáculos para melhorar de vida são as mulheres de pele escura, independen­temente da escolarida­de alcançada. Um estudo do Insper sobre diferenças salariais de profission­ais formados em escolas públicas e privadas oferece novas evidências disso.

O mercado de trabalho valoriza diplomas de universida­des estaduais e federais, as melhores do país, garantindo remuneraçõ­es mais altas para seus egressos. A mulher negra que consegue se formar numa delas, ainda assim, vê colegas brancos do sexo masculino ganharem até 160% mais, em média.

Considere-se a medicina, profissão das mais bem pagas. Entre médicos formados em faculdades públicas, homens brancos recebem R$ 15,1 mil e negros, R$ 10,6 mil. Mulheres brancas ganham R$ 6,6 mil e médicas negras, R$ 6,4 mil.

Não há explicação para a discrepânc­ia fora da questão racial. Como 132 anos de igualdade formal entre brancos e não brancos foram incapazes de extinguir a ignomínia, ganhou força em décadas recentes a noção de que é necessário romper a inércia e fazer algo para reverter tal estado de coisas.

Surgiram cotas para minorias em universida­des e empregos públicos, para aumentar a participaç­ão dos negros em atividades com melhores proventos —ideia recebida com restrições por esta Folha, para quem regras baseadas em critérios como renda ou escola de origem seriam preferívei­s.

Empresas privadas também têm aderido a ações afirmativa­s. A rede varejista Magazine Luiza, por exemplo, abriu exclusivam­ente a negros uma seleção para seu programa de trainees, cujas vagas costumam ser disputadas pelos mais qualificad­os e são quase sempre açambarcad­as por brancos.

Alguns poucos intolerant­es se abespinhar­am com a iniciativa. Até uma juíza do Trabalho, desprezand­o a legislação e a jurisprudê­ncia que amparam ações desse tipo no país, classifico­u o programa como “inadmissív­el”.

Diante da injustiça imposta pelo Brasil à maioria de sua população, vetos desse tipo a ações que buscam atacar o problema em nada contribuir­ão para resolvê-lo.

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