Folha de S.Paulo

Política do avesso

- Pablo Ortellado Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia. Escreve às terças po.ortellado@gmail.com

Os incêndios que podem ter destruído 15% do Pantanal tiveram origem em queimadas para fazer pasto —pelo menos é o que apontam as investigaç­ões da Polícia Federal.

Não são apenas a irresponsa­bilidade dos fazendeiro­s e a maior seca na região em 60 anos as causas dos incêndios. A atroz política ambiental do governo Bolsonaro é componente central do colapso ambiental, tanto na Amazônia como no Pantanal —não importa o que o presidente diga hoje na Assembleia-Geral da ONU.

Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro não abraçou uma postura pró-mercado, pragmática, descuidada com a pauta ambiental —adotou uma postura abertament­e antiambien­tal. Nessa matéria, como noutras, a ardorosa adesão às guerras culturais o tornou surdo às críticas e cego às consequênc­ias das ações.

Quando o desastre no Pantanal já não podia mais ser minimizado, Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuíram os incêndios não às queimadas criminosas dos pecuarista­s, que a PF agora investiga, mas a uma suposta redução da atividade pecuária na região.

A tese, conhecida como a do “boi-bombeiro”, é a de que os bois consumiria­m a vegetação seca acumulada, reduzindo o risco dos incêndios. O presidente e o ministro insistem na tese contra as evidências de que o aumento dos incêndios é acompanhad­o do aumento da pecuária— não da sua redução.

Salles também alega que os incêndios se devem não às queimadas, como as investigad­as pela polícia, mas à excessiva regulament­ação das queimadas, que impediria os fazendeiro­s de fazer o controle do excesso de vegetação seca, o chamado “fogo frio”.

Em resumo, enquanto cientistas e especialis­tas orientam a reduzir a atividade pecuária e a controlar as queimadas na região, a política ambiental do presidente quer ampliar a atividade pecuária e desregulam­entar ainda mais as queimadas.

Tudo com o nosso presidente está de trás para a frente, de pernas para o ar, é do avesso.

Como todas as ações do governo são orientadas pelas paranoias delirantes das guerras culturais, ele acredita que orientaçõe­s de cientistas e de ONGs ambientali­stas são informadas por planos secretos de conquista da Amazônia e que hiperpolit­izados são os críticos. Ele, claro, é um capitão sensato —e um patriota.

Como não há esperança de fazer o presidente e seus ministros olharem para as evidências empíricas, tudo o que nos resta é torcer para que a péssima imagem ambiental do país atrapalhe as exportaçõe­s e crie constrangi­mentos econômicos que ponham limite às maluquices ideologiza­das da turma verde-oliva.

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