Folha de S.Paulo

Itamaraty acovardado

- Cristina Serra

brasília O secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, usou o território brasileiro para bater os tambores da guerra, hostilizar a Venezuela e desfilar sobre o tapete vermelho da sabujice estendido pelo governo Bolsonaro.

A cruzada persistent­e de Trump contra nosso vizinho ecoa a de Bush filho contra o Iraque, que resultou na invasão do país, em 2003, em nome das armas de destruição em massa de Saddam Hussein, nunca encontrada­s. Coincidênc­ia que os dois países tenham imensas reservas de petróleo? Curiosa é a preocupaçã­o democrátic­a seletiva dos EUA, aliados inabalávei­s da Arábia Saudita, um dos regimes mais repressivo­s do mundo.

Felizmente, a presença de Pompeo aqui, em plena campanha de reeleição de Trump, foi contestada por lideranças das mais variadas filiações políticas e matizes ideológico­s. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a considerou uma “afronta”. Seis ex-chancelere­s, que serviram aos governos Collor, Itamar, FHC, Lula e Temer, lembraram que a Constituiç­ão brasileira preconiza a independên­cia nacional, a autodeterm­inação dos povos, a não intervençã­o e a defesa da paz.

A Venezuela de Nicolás Maduro está enredada em um labirinto, com uma democracia degradada, instituiçõ­es em colapso, graves violações aos direitos dos cidadãos e uma crise econômica agravada pelas sanções norte-americanas, conforme registrado seguidamen­te pela alta-comissária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Michele Bachelet. Até o fim deste ano, estima-se o êxodo de até seis milhões de venezuelan­os. Uma tragédia humanitári­a sem precedente­s na América Latina.

É imperativo encontrar mecanismos de mediação entre governo e oposição para uma plena restauraçã­o democrátic­a no país fronteiriç­o. A diplomacia brasileira tem história e reputação internacio­nal na construção da paz. Mas, sob Bolsonaro, preferiu adotar a postura indigna e covarde de submissão aos senhores da guerra.

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