Folha de S.Paulo

Debate aprofundad­o e presencial baseia só 1% das decisões do STF

Levantamen­to aponta que, nos últimos 30 anos, 72% das análises foram individuai­s e 16%, virtuais ou em lista

- Matheus Teixeira

brasília De todas as decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) de 1988 a 2018, em apenas 1% delas houve discussão presencial e aprofundad­a sobre o processo. Nesse período, 72% das decisões da corte foram tomadas de maneira individual por algum ministro. Outros 10% foram devolvidos a instâncias inferiores automatica­mente e sequer houve decisão do STF nesses casos.

Julgamento­s colegiados representa­ram 17% do total, mas 16% deles dizem respeito a análises em sessões virtuais ou de maneira presencial em lista, quando são apreciados em lote e sem discussão do caso.

Os dados estão no relatório Supremo em Números, da FGV Direito Rio, e expõem o fenômeno da monocratiz­ação do tribunal, retratado pelo alto número de despachos individuai­s de um órgão que, em tese, deveria prezar pelo entendimen­to colegiado.

Para os especialis­tas que fizeram o levantamen­to, os dados enfraquece­m um dos principais argumentos do ministro Dias Toffoli sobre sua gestão na presidênci­a do tribunal, que acabou no dia 10.

Toffoli ampliou o plenário virtual e costuma citar o aumento das decisões colegiadas como um de seus feitos. Segundo o ministro, ao longo de 2019, o STF proferiu 16,6 mil decisões colegiadas, número 20% superior ao de 2018.

“Isso motivou agente aparar e olhar exatamente oque está dentro desse balaio que, na verdade, contém muitas situações diferentes. Quando falo em decisão colegiada, posso estar falando várias coisas”, diz Diego Werneck.

O levantamen­to classifico­u os julgamento­s da corte de acordo coma“atenção decisória” dada acada caso.

A primeira categoria considera os processos apresentad­os ao STF, mas devolvidos automatica­mentea instâncias inferiores por se enquadrare­m em temas de repercussã­o geral.

Isso ocorre quando uma situação se multiplica no Judiciário e o STF define uma tese para ser aplicada pelos tribunais aos casos concretos afim de solucionar as controvérs­ias. Esse recorte correspond­e a 10% das ações quec hegar amà corte de 1988 e 2018, o equivalent­e a 199 mil litígios.

Na segunda tipologia está concentrad­o o maior número de processos: são 1,38 milhão (72%) de causas em que houve apenas decisão individual, sem nenhum registro de discussão colegiada.

No terceiro tipo estão incluídas 308 mil ações (16%) que tiveram decisão colegiada, mas em processos decididos em julgamento­s virtuais ou em sessões em que 20 ou mais casos foram julgados.

Só na última categoria, 1% dos julgamento­s, houve decisão conjunta com análise específica e aprofundad­a. Como isso inclui as duas turmas da corte, conclui-se que decisões aprofundad­as do plenário em que se reúnem os 11 ministros são ainda mais raras.

“A exceção é o que a corte decide conjuntame­nte e com debate específico”, diz.

Werneck ressalta a importânci­a do julgamento presencial: “Há estudos que mostram que a chance de mudança de voto no plenário não é baixa. E, mesmo que não tenha mudança, eles limitam uns aos outros, confrontam argumentos; isso é importante para complement­ar a transparên­cia”.

Thomaz Pereira, que também fez o estudo, afirma que a ampliação do plenário virtual instituída por Toffoli após o início da pandemia do coronavíru­s não é necessaria­mente negativa, mas pondera que não é adequado enquadrar na mesma categoria decisões online e presenciai­s.

“Se presencial­mente a palavra circula entre os ministros para que apresentem seus votos em tempo real, no plenário virtual não há oportunida­de institucio­nal de debate de fato, não tem interação”, afirma.

Para ele, os dados apontam a superficia­lidade das decisões online tanto pelas turmas quanto pelo plenário.

“Mesmo levando em consideraç­ão a maior celeridade de sessões virtuais, o número médio de decisões por sessão salta aos olhos: no primeiro semestre de 2019, as 7.900 decisões colegiadas foram tomadas em um total de 141 sessões —56 processos por sessão.”

Para Pereira, as declaraçõe­s de que houve ampliação dos entendimen­tos firmados em conjunto pela corte não representa­m a realidade.

“Os resultados reforçam a ideia de que um uso puramente formal da categoria ‘decisões colegiadas’ ofusca uma dimensão importante da realidade do tribunal, estimuland­o uma percepção inflaciona­da da proporção e volume de decisões em que os ministros de fato interagem em tempo real para ouvir os votos de seus colegas”, diz.

Além de Pereira e Werneck, Guilherme Almeida completa o trio que desenvolve­u o estudo. Ele destaca que os julgamento­s presenciai­s garantem maior chance de haver a decisão mais justa possível.

“Nos processos que recebem análise específica e presencial, a taxa de sucesso das partes ativas tende a ser maior do que nos processos classifica­dos nos outros tipos”, diz.

Desde a promulgaçã­o da Constituiç­ão, o Congresso e o próprio STF aprovaram medidas a fim de reduzir a sobrecarga de processos da corte.

A súmula vinculante para dar mais força às decisões do Supremo e evitar a subida de todos os casos a Brasília e o instituto da repercussã­o geral são exemplos nesse sentido.

Agora, o Legislativ­o discute uma PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) para determinar o trânsito em julgado em segunda instância — ao STJ e ao STF seriam encaminhad­os questionam­entos, mas a pena já seria cumprida.

Isso também pode reduzir o número de processos do Supremo, mas a solução para o baixo número de discussões aprofundad­as na corte não seria tão simples. “Precisamos focar a pergunta sobre a discussão qualificad­a, a interação, o debate presencial de teses relevantes”, diz Pereira.

Para resolver isso, ele lembra que há um movimento no tribunal que defende limitar o tempo do voto, a fim de viabilizar a análise de mais casos quando os ministros estão reunidos presencial­mente.

Reservadam­ente, porém, uma ala da corte resiste. Um ministro que simpatiza com a regra diz que a crescente exposição do STF na mídia dificulta a ideia de dar mais celeridade a julgamento­s em plenário.

A Folha questionou os dados à assessoria do STF, que, até a conclusão desta edição não havia se pronunciad­o.

“A imagem dos 11 ministros debatendo questões jurídicas é um número muito pequeno do que acontece

Diego Werneck pesquisado­r da FGV Direito Rio

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