Folha de S.Paulo

Publicitár­ios negros criam agências com foco em diversidad­e

- Tayguara Ribeiro

são paulo O incômodo de trabalhar com equipes apenas de pessoas brancas com ou uma única pessoa negra e as dificuldad­es de conseguir espaço no mercado publicitár­io impulsiona­m jovens negros a criar suas próprias agências.

Foi o que deu origem ao Gana, projeto formado por seis publicitár­ios negros há um ano. O coletivo, com foco em conteúdo, podcast, design e audiovisua­l, tenta mostrar como a diversidad­e pode ampliar o olhar e apresentar reflexos na qualidade dos produtos finais.

“O nome que a gente quer não é agência. Queremos trabalhar outros formatos, somos mais um estúdio de criativida­de”, explica Ary Nogueira, 41, um dos responsáve­is pelo Gana.

O grupo tem quatro clientes frequentes e outros projetos pontuais e se propõe a “pensar o futuro da propaganda com um espaço que é conquistad­o, e não cedido”, afirma Ary, que é diretor de arte.

Do portfólio eles destacam trabalhos com a Boogie Naipe —produtora que administra a carreira dos Racionais MC’s—,

Oliver Press, Ponte Jornalismo e a Trace TV, que chegou recentemen­te ao Brasil.

“Falamos as diversas línguas das periferias do Brasil porque crescemos nelas. Conhecemos as estratégia­s para conversar com o público negro porque somos esse público. E somos maioria no país. Nossa cultura cria ideias que correm o mundo”, diz o texto de apresentaç­ão da agência.

Em setembro de 2019, grandes agências de publicidad­e do país celebraram um acordo com o Ministério Público para a inclusão de jovens negros universitá­rios em seus grupos de colaborado­res.

“A representa­tividade desses profission­ais no setor é de 3%”, diz Valdirene de Assis, procurador­a do Ministério Público do Trabalho em SP e coordenado­ra do Projeto Nacional de Inclusão de Jovens Negros Universitá­rios. Mas ela diz já ver progressos.

“As inclusões estão acontecend­o. Além disso, o produto que a publicidad­e tem entregado para a nossa sociedade está mais diverso do ponto de vista étnico-racial.”

Segundo a procurador­a, o setor de publicidad­e foi selecionad­o não só pela pequena representa­tividade de profission­ais negros mas também “pelo poder de persuasão que a publicidad­e exerce no público em geral”. “Infelizmen­te não podemos dizer ainda que a população negra consegue se enxergar na publicidad­e que é apresentad­a no Brasil.”

Foi justamente essa invisibili­dade que inspirou os criadores do Mooc (Movimento Observador Criativo), cinco anos atrás.

“Já fizemos trabalhos com Facebook, Ambev, Faber Castell e Avon”, diz Kevin David, 26, um dos sócios da agência. “A gente quis contar nossas histórias. A Mooc surgiu porque não não nos víamos, não nos sentíamos representa­dos”, diz o jovem, que também é diretor de criação.

“A mudança é muito tímida ainda, mas há melhora aos poucos. Se a maioria da população é negra, por que isso não aparece nas agências?”, questiona Levis Novaes, 28 anos, outro sócio da Mooc. “Queremos uma diversidad­e de forma autêntica.”

Outra preocupaçã­o dos sócios é com o suporte dado aos jovens negros depois que entram nas agências. “Não estão contratand­o o preto por acreditare­m que ele é bom, estão só querendo cumprir sua cota na empresa. O quanto você está disposto a ajudar acelerar esse profission­al, ajudar a evoluir?”, questiona Kevin.

O publicitár­io Felipe de Souza Silva, 37, redator na Y&R, decidiu criar um projeto que pudesse ajudar a capacitar os jovens que sonham em entrar na área publicitár­ia.

“A Escola Rua surgiu da minha experiênci­a como homem preto e periférico na criação. Não fiz faculdades de elite, não tive dinheiro para cursos caros de criativida­de. Levei quase diz anos para ver outro negro na criação de uma agência em que trabalhava”, diz Felipe. “Então, pensei em criar uma escola de criativida­de. No mesmo modelo das mais caras, mas voltada para o público preto, periférico, feminino e LGBT.”

O curso, que é grátis, contou com o apoio da Y&R e formou em 2019 a primeira turma de 12 alunos, dos quais 9 estão empregados em grandes agências.

“Acho que coletivos são formas potentes de atuar no mercado. Não são apenas uma forma de inserir pessoas negras, mas de trazer protagonis­mo para nosso trabalho.”

Criada por Ricardo Silvestre, a Black Influence tem foco em personalid­ades digitais. “É uma agência especializ­ada em influencia­dores e criadores de conteúdo pretos ou periférico­s. Nosso objetivo é conectar esses perfis às marcas para ajudá-las a se comunicare­m de maneira saudável e assertiva com a comunidade.”

O publicitár­io de 24 anos deu início ao projeto um ano atrás. Tem dois funcionári­os e contrata freelancer­s conforme surgem clientes. A maioria dos colaborado­res é negra.

“Já trabalhei em algumas das maiores agências de propaganda do Brasil, e nelas eu sempre fui um dos únicos profission­ais pretos. Em uma das minhas últimas passagens por esses lugares, eu tive um ‘burnout’ decorrente de situações preconceit­uosas e ambientes tóxicos. Foi quando eu decidi empreender”, diz o criador da Black Influence.

Além de agenciar influencia­dores, a agência oferece consultori­a de negócios com foco em diversidad­e.

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1 Trabalho no Mooc (Movimento Observador Criativo), agência com publicitár­ios negros em SP; os sócios Levis Novaes 2 , Lidia Thays 3 , Kevin David 4 e Cat Martins 5
Fotos Rubens Cavalari/Folhapress 5 1 Trabalho no Mooc (Movimento Observador Criativo), agência com publicitár­ios negros em SP; os sócios Levis Novaes 2 , Lidia Thays 3 , Kevin David 4 e Cat Martins 5
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