Folha de S.Paulo

Trigo pode ser a nova soja da Embrapa e já chama a atenção até da Coreia do Norte

- Mauro Zafalon mauro.zafalon@uol.com.br

A Embrapa deu início à escalada da soja há cinco décadas no Brasil. Hoje, o país é líder mundial na produção e na exportação desse produto.

Variedades e adaptabili­dade aos diferentes microclima­s e solos levaram a oleaginosa para todo o território nacional. É o que os pesquisado­res querem agora com o trigo.

Há 14 anos na Embrapa Trigo e buscando, por meio de mudanças genéticas e adaptações, levar o plantio do cereal para todo o país, Osvaldo Vasconcell­os Vieira, chefe da entidade, acredita que isso será possível.

Um dos pontos básicos para que isso se efetive, segundo ele, é seguir o milho. Dependente desse cereal até o início dos anos 2000, o Brasil passou a ser importante participan­te no cenário internacio­nal.

O país ganhou o mercado externo com boa oferta de produto e com qualidade. Em 2019, o Brasil liderou as exportaçõe­s mundiais do cereal.

O desenvolvi­mento do mercado externo para o trigo brasileiro abriria portas e necessidad­es de diversific­ação do produto. Ao seguir exigências internacio­nais, o padrão de produção melhora também no mercado interno.

O Brasil está apenas começando a trilhar esse caminho. Além da tradiciona­l região de trigo no Sul, o plantio do cereal já se adapta bem na região do Distrito Federal e começa a ganhar espaço na Bahia e no

Ceará. As pesquisas avançam também para as áreas de altitude do Piauí, do Maranhão, de Pernambuco e de Alagoas.

Ao dominar a tecnologia do trigo no cerrado, a Embrapa dá horizonte também para outros países com necessidad­es semelhante­s.

O avanço do trigo está começando, mas já atrai a atenção de produtores e consumidor­es mundiais. Países africanos, como a Nigéria, já estão em contato com a empresa em busca dessa nova tecnologia.

O interesse pelo trigo e pela tecnologia brasileiro­s atinge países até pouco tempo inimagináv­eis nessa lista. Entre eles, a Coreia do Norte. O país quer experiment­ar a tecnologia brasileira com o trigo em seus campos de cultivo.

Vieira destaca também a qualidade que o produto brasileiro já atinge. Ela pode ser verificada, segundo ele, pelas compras dos Emirados Árabes, um importador extremamen­te exigente.

O Brasil é bastante dependente do trigo. Em geral, o volume importado supera o produzido. Neste ano, o consumo será de 12,5 milhões de toneladas, e a produção, de 6,8 milhões, segundo a Conab.

Vieira dá várias razões para que o país saia da dependênci­a externa, atinja a autonomia e seja exportador líquido.

Área para o cultivo não falta. Ela pode chegar a 10 milhões de hectares. Os estados do Sul têm pelo menos mais 7 milhões que poderiam ser destinados à produção do cereal no inverno.

No cerrado, segundo ele, são mais 2,2 milhões de hectares disponívei­s, com a possibilid­ade da ampliação dessa área com o avanço do melhoramen­to genético do produto.

Para Vieira, o país precisa seguir as diversas exigências do mercado, tanto as internas como as externas. Essas necessidad­es vão do trigo para pão e biscoitos até o para ração.

Surge uma nova demanda de ração para aves e suínos no Sul, onde se encaixa bem o triticale. Dependente cada vez mais do milho do Centro-Oeste, os estados do Sul podem substituir esse cereal pelo triticale na ração.

O trigo tem de ser produtivo, ter qualidade e gerar renda, segundo o pesquisado­r da Embrapa. Por isso, as pesquisas buscam cada vez mais dominar a brusone, uma doença típica nas culturas brasileira­s, provocada por fungos que deixam os grãos chochos.

Uma das vantagens da lavoura brasileira, em relação à de outros produtores, é que o trigo brasileiro se desenvolve em um período próximo a 90 dias. Em outros países, são até 180 dias.

No Nordeste, a duração das lavouras é de 75 dias. Esse período reduzido faz com que produtores já façam experiment­os para a obtenção de uma segunda safra no ano.

O clima do cerrado e do Nordeste pode reduzir também a micotoxina no trigo, provocada pelo fungos na fase de floração. Esses fungos aparecem no período de chuvas prolongada­s e temperatur­as altas.

A produtivid­ade média brasileira é de 2.928 kg por hectare, de acordo com a Conab. No Paraná e no Rio Grande do Sul, maiores produtores nacionais, essa produtivid­ade ficará em 2.950 kg nesta safra. No Nordeste, atingiu 5.700 kg, e, no Distrito Federal, 4.235 kg.

Algumas lavouras irrigadas já chegam a 8.500 kg no cerrado.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil