Clubes aumentam pressão por ‘Lei do Mandante’, mas perdem apoios
MP que muda direitos de transmissão do futebol tem menos de um mês para ser votada
SÃO PAULO A menos de um mês de a Medida Provisória 984 perder a sua validade, o movimento Futebol Mais Livre, que reúne dirigentes de 46 clubes favoráveis a mudanças nas regras dos direitos de transmissão, tenta dar suas últimas cartadas para que o texto seja votado no Congresso.
Entre as medidas estão intensificação do corpo a corpo com deputados federais, publicações em massa nas redes sociais e até mensagens estampadas nas camisas dos times durante as partidas.
O resultado, porém, tem sido pouco animador para eles. Os dirigentes demonstram desânimo diante da falta de interesse dos parlamentares em lidar com o assunto e veem o grupo se enfraquecendo, com debandadas de representantes do Atlético-MG, Corinthians, Internacional e Sport.
Dos 20 clubes da Série A do Nacional, 12 estão unidos pela aprovação do texto que dá ao time de futebol mandante do jogo o direito exclusivo de transmiti-lo ou negociar a sua transmissão. Antes, a Lei Pelé exigia a anuência das duas equipes envolvidas num jogo para a transmissão do evento.
A MP, que ficou conhecida como Lei do Mandante, foi editada no dia 18 de junho pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Para continuar valendo 120 dias a publicação, ou seja, a partir do dia 16 de outubro, precisa ser aprovada na Câmara e no Senado.
Caso isso não ocorra, cenário tido como o mais provável atualmente, ela perderá sua validade. Nesse caso, voltará a valer o texto da Lei Pelé e que foi usado como base para quase todas as negociações de contratos que estão vigentes entre os clubes e empresas detentoras de direitos de transmissão no Brasil.
“Com o passar dos dias fica mais difícil convertê-la em projeto de lei. Nos comprometemos em conversar com os deputados de nossa região”, diz Robinson de Castro, presidente do Ceará, um dos 46 clubes que integram o movimento Futebol Mais Livre.
Até segunda-feira (21), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ainda não havia nomeado um relator para a proposta. Na pandemia, medidas provisórias seguem diretamente para votação nos plenários das duas Casas e não precisam ser submetidas a uma comissão mista de deputados e senadores. Caso o Senado altere o texto, a Câmara terá até dois dias úteis para apreciá-lo novamente.
Para pressionar o presidente da Câmara, os clubes criaram, há uma semana, a hashtag #EntraEmCampoMaia.
Alguns times, entre eles Flamengo, Fortaleza e Palmeiras, entraram em campo nas últimas rodadas do Campeonato Brasileiro com mensagens de apoio à MP nas camisas, entre elas “Futebol mais Livre” e “#PelaLeidoMandante”.
Entre os argumentos dos que defendem a MP estão o estímulo à concorrência por direitos de transmissão e a possibilidade do fim dos “apagões” que ocorrem quando o jogo não é exibido em nenhum canal, porque uma emissora tem os direitos de um time e outra emissora os da equipe adversária.
“Cabe ao presidente da Câmara dar segmento nesse processo. A gente sabe que tem influência externa, o peso da Globo tem relevância, mas seria uma grande conquista para os clubes”, diz o presidente do Vasco, Alexandre Campello.
Desde junho, a MP resultou em conflitos comerciais entre emissoras e alimentou uma guerra jurídica entre o Grupo Globo, contrário à medida e principal detentor de direitos de transmissão de jogos do futebol brasileiro, e times como Athletico e Flamengo.
O Flamengo usou o texto para exibir suas partidas do Estadual do Rio (torneio em que não tinha acordo com a Globo) em seus canais na internet. Já o Athletico chegou a fazer o mesmo no Brasileiro (por não ter fechado negócio para o pay-per-view), mas sofreu derrota na decisão judicial mais recente.
Maia, entusiasta do projeto de lei para incentivar o modelo de clube-empresa, não pretende se desgastar com a discussão sobre os direitos de transmissão. O momento de eleições municipais também joga contra a tentativa dos clubes de pressionar parlamentares a aprovar a MP.
Um acordo entre os congressistas e Bolsonaro previa que alterações em leis relacionadas ao futebol deveriam ser discutidas por meio de projetos de lei. Desde o dia em que a medida provisória foi publicada no Diário Oficial, Maia questiona a urgência e a relevância do assunto, prerrogativas que o governo federal deveria levar em conta ao editar uma MP.
Antes mesmo das saídas de Atlético-MG, Corinthians, Internacional e Sport do grupo de apoio à medida, Botafogo, Fluminense, Grêmio e São Paulo já haviam se negado a participar do movimento.
“Temos que discutir todo o processo, sem ranço cultural, sem interesse de clube. Não podemos fazer de maneira açodada, mas de modo que equilibre as competições, e não que o dinheiro drene dois, três, quatro times”, afirmou Romildo Bolzan, presidente do Grêmio, ssobre a MP.
Apoiaram a medida, inicialmente: Athletico, Atlético-MG, Atlético-GO, Bahia, Ceará, Corinthians, Coritiba, Flamengo, Fortaleza, Goiás, Inter, Palmeiras, Red Bull Bragantino, Santos, Sport e Vasco.
Alguns dirigentes se mostraram decepcionados por Bolsonaro ter editado a MP um dia após almoçar com Rodolfo Landim, mandatário do Flamengo e que não teria empreendido grandes esforços junto a deputados e senadores governistas pela votação.
Segundo Lásaro Cândido, vice-presidente do Altético-MG, o seu clube desistiu de apoiar a MP após avaliar que ela interessaria apenas ao Flamengo e aos oito times da Série A que possuem contratos de TV fechada com a Turner (Palmeiras, Santos, Internacional, Athletico, Coritiba, Bahia, Fortaleza e Ceará) a mudança no atual cenário.
“A presidência do Atlético apoiava desde que tivesse uma regra clara na MP 984/20 definindo que a negociação dos direitos de transmissão deverá ser feita coletivamente por liga ou entidade dos clubes, mas não teve”, diz Cândido. “Ficou claro que é a MP do Flamengo, porque tem briga pessoal com a Globo, e dos oito times com contratos com a Turner, que passariam a ter mais jogos [exibidos].”
Foram apresentadas 91 propostas de emendas ao texto da MP. Segundo o advogado Wladimyr Camargos, especialista em direito esportivo, há sugestões deslocadas do mérito do texto, o que poderia travar ainda mais o debate.
“Não é impossível que [a MP] seja convertida em lei, mas não tem unidade no Congresso, e o governo federal não prioriza a matéria. Consequentemente, seus líderes não estão trabalhando pela aprovação”, afirma.
As vendas de direitos de transmissão são a principal fonte de receitas dos clubes de elite no Brasil e respondem por mais de 50% da sua arrecadação —com exceção de Fortaleza e Palmeiras.
Procurados pela reportagem, Landim, Maia e a Globo não quiseram se manifestar.