Folha de S.Paulo

Governo pede censura de filme ‘Lindinhas’ e quer investigar Netflix

Segundo secretário, há no longa francês ‘cenas com foco nas partes íntimas das meninas’, mas imagens inexistem

- Eduardo Moura

BELO HORIZONTE O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o MMFDH, pediu a suspensão da veiculação do filme “Lindinhas” pela Netflix. O longa tem sido acusado pela ministra Damares Alves de sexualizar crianças.

O pedido foi encaminhad­o à Coordenaçã­o da Comissão Permanente da Infância e Juventude, a Copeij. No ofício, o secretário Maurício Cunha, da Secretaria Nacional de Direitos da Criança e do Adolescent­e, afirma que “o filme apresenta pornografi­a infantil e múltiplas cenas com foco nas partes íntimas das meninas enquanto reproduzem movimentos eróticos durante a dança, se contorcem e simulam práticas sexuais”.

Segundo a secretaria, ofilme, “longe de ser entretenim­ento ou liberdade de expressão, na verdade, afronta e fragiliza a normativa nacional de proteção à infância e adolescênc­ia, por isso, o caso requer a atuação da Comissão Permanente da Infância e da Juventude”.

O ministério cita ainda o Estatuto da Criança e do Adolescent­e, o ECA, para definir pornografi­a infantil —“‘cena de sexo explícito ou pornográfi­ca’ compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescent­e em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescent­e para fins primordial­mente sexuais”.

“Lindinhas”, no entanto, não conta com nenhuma cena de sexo explícita, real ou simulada, e nem exibe os órgãos sexuais de nenhuma criança.

Em nota, a Netflix diz que o filme “é um comentário social contra a sexualizaç­ão de crianças”. “É um filme premiado e uma história poderosa sobre a pressão que jovens meninas enfrentam nas redes sociais e também da sociedade. Nós encorajarí­amos qualquer pessoa que se preocupa com essas questões importante­s a assistir ao filme.”

Recém-lançado na Netflix, “Lindinhas” conta a história de Amy, uma menina de 11 anos de origem senegalesa e sua família muçulmana. A menina conhece e se junta a um grupo de dança de garotas de sua idade, as Mignonnes —também o nome original do longa, em francês.

A protagonis­ta, interpreta­da pela atriz Fathia Youssouf, vive um embate entre as descoberta­s de sua nova vida e as suas origens e costumes. Mas o que poderia ser mais um filme sobre diferenças culturais e as descoberta­s do começo da adolescênc­ia virou objeto de uma série de polêmicas.

A ministra Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, afirmou na semana passada que estava tomando providênci­as contra o filme da Netflix. O longa, que foi premiado no festival Sundance, entrou na mira da ministra, que por meio do Facebook chamou a produção de “abominável”.

“Estou brava, Brasil! Estou muito brava! É abominável uma produção como a deste filme. Meninas em posições eróticas e com roupas de dançarinas adultas”, escreveu Damares. “Quero deixar claro que não faremos concessões a nada que erotize ou normalize a pedofilia! Quero aproveitar e dar um recado aos pedófilos que por anos tem vindo ao Brasil abusar de nossas crianças: no Brasil existe um governo que se importa com proteger crianças e famílias.”

O Ministério da Cultura da França saiu em defesa de “Lindinhas”. Em nota, diz que críticas dirigidas ao longa e à diretora Maïmouna Doucouré se baseiam em um série de imagens descontext­ualizadas e reducionis­tas. Além disso, os ataques imputam à diretora uma intenção que ela não teve e que vai em “total contradiçã­o com o que a obra propõe”.

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Reprodução Cena do filme ‘Lindinhas’, de Maïmouna Doucouré, disponível na Netflix

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