Bolsonaro se defende na ONU sobre pandemia e queimadas
Presidente, que de novo se diz vítima de campanha de desinformação, comete exageros em discurso
O presidente Jair Bolsonaro usou ontem seu discurso de abertura na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas para reprisar a tese de que é vítima de campanha de desinformação.
Em vídeo gravado, de menos de 15 minutos, tempo máximo estabelecido pelos organizadores do evento a todos os líderes, Bolsonaro defendeu as políticas de seu governo diante da pandemia de coronavírus e das queimadas que devastam a Amazônia e o Pantanal.
Afirmou que, desde o início da crise, tanto o vírus quanto o desemprego “precisavam ser tratados igualmente” e acusou parcela da imprensa de disseminar o pânico em relação à doença.
O presidente elencou medidas de sua administração, como o auxílio emergencial, que estimou em US$ 1.ooo (R$ 5.480), um dado exagerado perto do que já foi pago e ainda será (no total, R$ 4.200) para 65 milhões.
Declarou que as riquezas da Amazônia despertam interesses estrangeiros e escusos. Por essa razão, o Brasil seria alvo do que chamou de “brutal campanha de desinformação”. Queimadas se dariam por condições naturais inevitáveis ou pela atuação de índios e caboclos; incêndios criminosos seriam “combatidos com rigor e determinação”.
Bolsonaro ainda tentou ampliar sua narrativa ao exterior com os habituais acenos a Donald Trump e ataques à Venezuela.
O presidente Jair Bolsonaro usou seu discurso de abertura na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, nesta terça (22), para reprisar a tese de que é vítima de uma campanha de desinformação e defender as políticas de seu governo diante da pandemia de coronavírus e das queimadas que devastam a Amazônia e o Pantanal.
Em vídeo gravado, de menos de 15 minutos, tempo máximo estabelecido pela organização do evento a todos os líderes, Bolsonaro afirmou que, desde o início da crise, destacou que tanto o vírus quanto o desemprego “precisavam ser tratados igualmente” e acusou parcela da imprensa brasileira de disseminar o pânico em relação à pandemia da Covid-19.
O presidente elencou medidas de seu governo, como o auxílio emergencial, e jogou a responsabilidade das regras de isolamento aos governadores —o vírus já matou mais de 138 mil brasileiros— como estratégia para se eximir das consequências da crise.
“Como aconteceu em grande parte do mundo, parcela da imprensa brasileira também politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população. Sob o lema ‘fique em casa’ e ‘a economia a gente vê depois’, quase trouxeram o caos social ao país”, disse Bolsonaro.
O presidente afirmou ainda que as riquezas da Amazônia despertam interesses estrangeiros e escusos e é por isso que, em sua visão, o governo é vítima do que chamou de “brutal campanha de desinformação” —ele seguiu minimizando os incêndios e negando que conduza uma gestão ambiental negligente.
“Nosso agronegócio continua pujante e, acima de tudo, possuindo e respeitando a melhor legislação ambiental do planeta. Mesmo assim, somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal”, afirmou.
“A Amazônia brasileira é sabidamente riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil.”
Desde 2019, Bolsonaro sofre críticas de organizações e líderes internacionais por sua política ambiental. Nesta terça, usou o plenário da ONU para reproduzir discurso defensivo e negacionista.
Segundo Bolsonaro, as queimadas se dão por condições naturais inevitáveis ou pela atuação de índios e caboclos. Na Amazônia, argumenta, só acontecem nas partes periféricas da floresta, visto que a região é úmida, e, no Pantanal, que bateu recordes de incêndio neste ano, devido às “altas temperaturas somadas ao acúmulo de massa orgânica em decomposição”.
O presidente disse ainda que os focos de incêndio criminosos “são combatidos com rigor e determinação” e que tem “tolerância zero com o crime ambiental”. O governo Bolsonaro, no entanto, enfraqueceu a gestão ambiental do país, perseguiu fiscais, protegeu madereiros e tentou maquiar números de desmatamento.
Os incêndios na Amazônia e no Pantanal bateram diversos recordes nos últimos meses e, recentemente, o presidente chegou a atribuir o fogo nas florestas à população indígena e à geração espontânea, o que repetiu nesta terça.
As políticas têm impactado a relação do país com importantes autoridades internacionais. Deputados do Partido Democrata, de oposição a Donald Trump, por exemplo, dizem que são contrários a um acordo comercial amplo entre Brasil e EUA justamente devido ao comportamento brasileiro diante da questão ambiental e de direitos humanos.
Nos últimos dias, países europeus disseram que a postura do governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente pode inviabilizar a confirmação do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.
Após dedicar grande parte do discurso à defesa de suas políticas internas, Bolsonaro tentou ampliar sua narrativa com habituais acenos a Trump e ataques à Venezuela.
Sobre o aliado americano, Bolsonaro fez referência ao acordo histórico, mediado por Trump, entre Israel, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, que normalizou as relações diplomáticas entre os três países.
Bolsonaro propagandeou a tese de que o Brasil abandonou uma “tradição protecionista” e cumpriu reformas como a da Previdência, colocando o país no caminho da entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Ainda na tentativa de mostrar que o Brasil está aberto a investimentos e maior inserção no cenário mundial, Bolsonaro argumentou que a pandemia “deixou a lição” de que não é possível depender de poucas nações para a produção de insumos, citando a hidroxicloroquina, remédio sem eficácia comprovada, e a capacidade brasileira na exportação de alimentos.
Bolsonaro citou ainda a tecnologia 5G, pauta sensível para o governo Trump, e disse que o Brasil está aberto a investimentos desde que os parceiros “respeitem nossa soberania, prezem pela liberdade e pela proteção de dados”.
O governo americano pressiona para que a chinesa Huawei, fornecedora de tecnologia 5G, não atue no Brasil e em diversos outros países, sob argumento de que a empresa traz ameaças à propriedade intelectual.
Já no fim do discurso, considerado repetitivo e sem novidades por diplomatas brasileiros e americanos, Bolsonaro reforçou a imagem do Brasil como um país cristão e conservador e fez um apelo à comunidade internacional ao que classificou como defesa da “liberdade religiosa e do combate à cristofobia”.
Essa é a segunda vez que Bolsonaro abre os debates da Assembleia Geral da ONU —é tradição que o presidente brasileiro faça o discurso de abertura. Desta vez, em razão da pandemia, a convenção é em parte virtual, e um vídeo foi enviado na semana passada pelo Planalto à ONU com o pronunciamento. No plenário, no lugar da habitual comitiva presidencial, com ministros e convidados, quem introduziu o Brasil nesta terça foi o embaixador Ronaldo Costa Filho, representante permanente do Brasil junto à ONU.
No ano passado, Bolsonaro estreou no plenário da ONU com um discurso agressivo, que reproduziu o repertório ideológico de seu grupo político, com ataques a outros países e enfrentamento em relação às críticas sofridas por seu governo. O tom foi considerado inédito para líderes brasileiros na assembleia.
O presidente já havia insistido na ideia de que a crise da Amazônia era contaminada por interesses estrangeiros e que qualquer interferência externa na crise da floresta era um ataque à soberania brasileira. À época, o presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, apontaram publicamente o risco de retrocessos na agenda ambiental do governo brasileiro.
Na Assembleia Geral, os representantes dos 193 países-membros da organização se reúnem para discutir assuntos que afetam a comunidade internacional, e todos têm direito a voto.