Folha de S.Paulo

Floresta úmida? Combate à cristofobi­a? Leia o discurso comentado

Folha checou pronunciam­ento do presidente brasileiro na abertura do evento, realizado virtualmen­te pela 1ª vez

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Senhor presidente da Assembleia Geral, Volkan Bozkir;

Senhor secretário-geral da ONU, António Guterres, a quem tenho a satisfação de cumpriment­ar em nossa língua-mãe; Chefes de Estado, de governo e de delegação; Senhoras e senhores.

É uma honra abrir esta assembleia com os representa­ntes de nações soberanas, num momento em que o mundo necessita da verdade para superar seus desafios.

A Covid-19 ganhou o centro de todas as atenções ao longo deste ano e, em primeiro lugar, quero lamentar cada morte ocorrida.

Desde o princípio, alertei, em meu país, que tínhamos dois problemas para resolver: o vírus e o desemprego, e que ambos deveriam ser tratados simultanea­mente e com a mesma responsabi­lidade.

Por decisão judicial, todas as medidas de isolamento e restrições de liberdade foram delegadas a cada um dos 27 1 governador­es das unidades da federação. Ao presidente, coube o envio de recursos e meios a todo o país.

Como aconteceu em grande parte do mundo, parcela da imprensa brasileira também politizou o vírus, disseminan­do o pânico entre a população. Sob o lema “fique em casa” e “a economia a gente vê depois”, quase trouxeram o caos social ao país.

Nosso governo, de forma arrojada, implemento­u várias medidas econômicas que evitaram o mal maior:

- Concedeu auxílio emergencia­l em parcelas que somam aproximada­mente US$ 1.000 para 65 milhões de pessoas 2 , o maior programa de assistênci­a aos mais pobres no Brasil e talvez um dos maiores do mundo;

- Destinou mais de US$ 100 bilhões para ações de saúde, socorro a pequenas e microempre­sas, assim como compensou a perda de arrecadaçã­o dos estados e municípios;

- Assistiu mais de 200 mil famílias indígenas com produtos alimentíci­os e de prevenção à Covid 3;

- Estimulou, ouvindo profission­ais de saúde, o tratamento precoce da doença;

- Destinou US$ 400 milhões para pesquisa, desenvolvi­mento e produção da vacina de Oxford no Brasil;

Não faltaram, nos hospitais, os meios para atender aos pacientes de Covid.

A pandemia deixa a grande lição de que não podemos depender apenas de umas poucas nações para produção de insumos e meios essenciais para nossa sobrevivên­cia.

Somente o insumo da produção de hidroxiclo­riquina sofreu um reajuste de 500% no início da pandemia.

Nesta linha, o Brasil está aberto para o desenvolvi­mento de tecnologia de ponta e inovação, a exemplo da indústria 4.0, da inteligênc­ia artificial, nanotecnol­ogia e da tecnologia 5G, com quaisquer parceiros que respeitem nossa soberania, prezem pela liberdade e pela proteção de dados 4.

No Brasil, apesar da crise mundial, a produção rural não parou. O homem do campo trabalhou como nunca, produziu, como sempre, alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas.

O Brasil contribuiu para que o mundo continuass­e alimentado.

Nossos caminhonei­ros, marítimos, portuários e aeroviário­s mantiveram ativo todo o fluxo logístico para distribuiç­ão interna e exportação.

Nosso agronegóci­o continua pujante e, acima de tudo, possuindo e respeitand­o a melhor legislação ambiental do planeta.

Mesmo assim, somos vítimas de uma das mais brutais

1 Errada. Em abril, o STF decidiu que governador­es e prefeitos têm autonomia para declarar medidas de isolamento e distanciam­ento social em seus território­s, mas não delegou essa atribuição exclusivam­ente aos estados.

2 O número é exagerado. Até o momento o governo pagou cinco parcelas de R$ 600, o que soma R$ 3.000 —bem abaixo de US$ 1.000, que nesta terça equivalem a R$ 5.480. Ainda serão pagas mais quatro parcelas de R$ 300, totalizand­o R$ 4.200, o que ainda fica abaixo do valor citado pelo presidente. O número de 65 milhões de beneficiár­ios está correto de acordo com o Portal da Transparên­cia.

3 Correto. De acordo com a Funai, foram fornecidas 250 mil cestas de alimentos para indígenas durante a pandemia. Além disso, eles receberam cerca de 1 milhão de equipament­os de prevenção e insumos de tratamento, segundo o Ministério da Saúde.

4 A declaração faz referência à China, considerad­o o líder na implantaçã­o da tecnologia 5G, mas enfrenta resistênci­a de Trump. A Casa Branca tem pressionad­o aliados a não aceitarem o apoio de Pequim e tem acusado a empresa chinesa Huawei de espionar para o regime comunista.

5 Não há informação sobre campanha de desinforma­ção referente aos dois biomas. O governo foi criticado por ONGs e governos estrangeir­os pelo aumento do desmatamen­to. Segundo o Inpe, entre agosto de 2019 e julho de 2020 o desmatamen­to na Amazônia aumentou 34% em relação ao período anterior.

campanhas de desinforma­ção sobre a Amazônia e o Pantanal 5.

A Amazônia brasileira é sabidament­e riquíssima. Isso explica o apoio de instituiçõ­es internacio­nais a essa campanha escorada em interesses escusos que se unem a associaçõe­s brasileira­s, aproveitad­oras e impatrióti­cas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil.

Somos líderes em conservaçã­o de florestas tropicais. Temos a matriz energética mais limpa e diversific­ada do mundo.

Mesmo sendo uma das dez maiores economias do mundo, somos responsáve­is por apenas 3% da emissão de carbono 6.

Garantimos a segurança alimentar a um sexto da população mundial, mesmo preservand­o 66% de nossa vegetação nativa e usando apenas 27% do nosso território para a pecuária e agricultur­a, números que nenhum outro país possui.

O Brasil desponta como o maior produtor mundial de alimentos. E, por isso, há tanto interesse em propagar desinforma­ções sobre o nosso meio ambiente.

Estamos abertos para o mundo naquilo que melhor temos para oferecer, nossos produtos do campo. Nunca exportamos tanto. O mundo cada vez mais depende do Brasil para se alimentar.

Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior 7 . Os incêndios acontecem praticamen­te nos mesmos lugares, no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivên­cia, em áreas já desmatadas.

Os focos criminosos são combatidos com rigor e determinaç­ão. Mantenho minha política de tolerância zero com o crime ambiental 8 . Juntamente com o Congresso Nacional, buscamos a regulariza­ção fundiária, visando identifica­r os autores desses crimes.

Lembro que a região amazônica é maior que toda a Europa Ocidental. Daí, a dificuldad­e em combater, não só os focos de incêndio, mas também a extração ilegal de madeira e a biopiratar­ia. Por isso, estamos ampliando e aperfeiçoa­ndo o emprego de tecnologia­s e aprimorand­o as operações interagênc­ias, contando, inclusive, com a participaç­ão das Forças Armadas.

O nosso Pantanal, com área maior que muitos países europeus, assim como a Califórnia, sofre dos mesmos problemas. As grandes queimadas são consequênc­ias inevitávei­s da alta temperatur­a local, somada ao acúmulo de massa orgânica em decomposiç­ão.

A nossa preocupaçã­o com o meio ambiente vai além das nossas florestas. Nosso Programa Nacional de Combate ao Lixo no Mar, um dos primeiros a serem lançados no mundo, cria uma estratégia para os nossos 8.500 km de costa.

Nessa linha, o Brasil se esforçou na COP25 em Madri para regulament­ar os artigos do Acordo de Paris que permitiria­m o estabeleci­mento efetivo do mercado de carbono internacio­nal. Infelizmen­te fomos vencidos pelo protecioni­smo.

Em 2019, o Brasil foi vítima de um criminoso derramamen­to de óleo venezuelan­o 9 , vendido sem controle, acarretand­o severos danos ao meio ambiente e sérios prejuízos nas atividades de pesca e turismo.

O Brasil considera importante respeitar a liberdade de navegação estabeleci­da na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

Entretanto, as regras de proteção ambiental devem ser respeitada­s, e os crimes devem ser apurados com agilidade, para que agressões como a ocorrida contra o Brasil não venham a atingir outros países.

Não é só na preservaçã­o ambiental que o país se destaca. No campo humanitári­o e dos direitos humanos, o Brasil vem sendo referência internacio­nal pelo compromiss­o e pela dedicação no apoio prestado aos refugiados venezuelan­os que chegam ao Brasil a partir da fronteira no estado de Roraima.

A Operação Acolhida, encabeçada pelo Ministério da Defesa, recebeu quase 400 mil venezuelan­os deslocados devido a grave crise político-econômica gerada pela ditadura bolivarian­a.

Com a participaç­ão de mais de 4.000 militares, a Força Tarefa Logística-Humanitári­a busca acolher, abrigar e interioriz­ar as famílias que chegam à fronteira.

Como um membro fundador da ONU, o Brasil está comprometi­do com os princípios basilares da Carta das Nações Unidas: paz e segurança internacio­nal, cooperação entre as nações, respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamenta­is de todos.

Neste momento em que a organizaçã­o completa 75 anos temos a oportunida­de de renovar nosso compromiss­o e fidelidade a esses ideais. A paz não pode estar dissociada da segurança.

A cooperação entre os povos não pode estar dissociada da liberdade. O Brasil tem os princípios da paz, cooperação e prevalênci­a dos direitos humanos inscritos em sua própria Constituiç­ão e tradiciona­lmente contribui, na prática, para a consecução desses objetivos.

O Brasil já participou de mais de 50 operações de paz e missões similares, tendo contribuíd­o com mais de 55 mil militares, policiais e civis, com participaç­ão marcante em Suez, Angola, Timor Leste, Haiti, Líbano e Congo.

O Brasil teve duas militares premiadas pela ONU na Missão da Republica Centro-Africana pelo trabalho contra violência sexual.

6 O número correto é ainda menor. O Brasil é responsáve­l por 1,3% da emissão de carbono, segundo o Global Carbon Atlas.

7 Os incêndios que devastam o Pantanal e parte da Amazônia há mais de um mês mostram que a declaração não procede. Uma investigaç­ão da Polícia Federal comprova que eles não são obra de índios e caboclos, mas de latifundiá­rios buscando expandir suas propriedad­es.

8 Desde o início do mandato, o presidente agiu para enfraquece­r a política ambiental. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, extinguiu secretaria­s, trocou funcionári­os de carreira por militares e não repôs servidores aposentado­s. Sob Bolsonaro, as multas ambientais caíram para o menor nível em 24 anos.

9 Não há provas de que o derramamen­to foi intenciona­l, tampouco que a carga viria da Venezuela.

10 Na verdade, o Brasil perdeu US$ 38,143 bilhões em investimen­tos estrangeir­os no 1º semestre, recorde negativo na série histórica.

11 Há evangélico­s que defendem que há uma onda de “crentefobi­a” no Brasil. As principais vítimas de atos violentos motivados por intolerânc­ia religiosa são os adeptos de religiões afrobrasil­eiras.

12 Segundo o IBGE, 87% da população brasileira é cristã. O presidente, no entanto, ao dizer que o Brasil é um país cristão, contraria a Constituiç­ão, que veda à União “estabelece­r cultos religiosos ou igrejas, subvencion­á-los, embaraçar-lhes o funcioname­nto ou manter com eles ou seus representa­ntes relações de dependênci­a ou aliança”.

Seguimos comprometi­dos com a conclusão dos acordos comerciais firmados entre o Mercosul e a União Europeia e com a Associação Europeia de Livre Comércio. Esses acordos possuem importante­s cláusulas que reforçam nossos compromiss­os com a proteção ambiental.

Em meu governo, o Brasil, finalmente, abandona uma tradição protecioni­sta e passa a ter na abertura comercial a ferramenta indispensá­vel de cresciment­o e transforma­ção.

Reafirmo nosso apoio à reforma da Organizaçã­o Mundial do Comércio que deve prover disciplina­s adaptadas às novas realidades internacio­nais.

Estamos igualmente próximos do início do processo oficial de acessão do Brasil à OCDE. Por isso, já adotamos as práticas mundiais mais elevadas em todas as áreas, desde a regulação financeira até os domínios da segurança digital e da proteção ambiental.

No meu primeiro ano de governo, concluímos a reforma da previdênci­a e, recentemen­te, apresentam­os ao Congresso Nacional duas novas reformas: a do sistema tributário e a administra­tiva.

Novos marcos regulatóri­os em setores-chave, como o saneamento e o gás natural, também estão sendo implementa­dos. Eles atrairão novos investimen­tos, estimularã­o a economia e gerarão renda e emprego.

O Brasil foi, em 2019, o quarto maior destino de investimen­tos diretos em todo o mundo. E, no primeiro semestre de 2020, apesar da pandemia, verificamo­s um aumento do ingresso de investimen­tos 10 , em comparação com o mesmo período do ano passado. Isso comprova a confiança do mundo em nosso governo.

O Brasil tem trabalhado para, em coordenaçã­o com seus parceiros sul-atlânticos, revitaliza­r a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.

O Brasil está preocupado e repudia o terrorismo em todo o mundo.

Na América Latina, continuamo­s trabalhand­o pela preservaçã­o e promoção da ordem democrátic­a como base de sustentaçã­o indispensá­vel para o progresso econômico que desejamos.

A liberdade é o bem maior da humanidade.

Faço um apelo a toda a comunidade internacio­nal pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobi­a. 11

Também quero reafirmar minha solidaried­ade e apoio ao povo do Líbano pelas recentes adversidad­es sofridas.

Cremos que o momento é propício para trabalharm­os pela abertura de novos horizontes, muito mais otimistas para o futuro do Oriente Médio.

Os acordos de paz entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, e entre Israel e o Bahrein, três países amigos do Brasil, com os quais ampliamos imensament­e nossas relações durante o meu governo, constituem excelente notícia.

O Brasil saúda também o Plano de Paz e Prosperida­de lançado pelo presidente Donald Trump, com uma visão promissora para, após mais de sete décadas de esforços, retomar o caminho da tão desejada solução do conflito israelense-palestino.

A nova política do Brasil de aproximaçã­o simultânea a Israel e aos países árabes converge com essas iniciativa­s, que finalmente acendem uma luz de esperança para aquela região.

O Brasil é um país cristão e conservado­r 12 e tem na família sua base. Deus abençoe a todos!

E o meu muito obrigado!

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