Folha de S.Paulo

Consultas e exames represados desafiarão eleito em São Paulo

Procedimen­tos de saúde foram interrompi­dos em março devido à pandemia e retomados em junho; em agosto, 457 mil esperavam atendiment­o de especialis­ta em SP

- Patrícia Pasquini

O próximo prefeito de SP terá que lidar com a demanda de consultas, exames de saúde e cirurgias represada após a paralisaçã­o de procedimen­tos na pandemia da Covid-19. Longas filas já se arrastam por vários mandatos. Caberá a ele também a melhoria do Samu, depois do fechamento de bases.

são paulo A gestão das filas para consultas e exames especializ­ados e também para cirurgias eletivas será um dos principais desafios do próximo prefeito de São Paulo na área da saúde. O problema das longas filas é crônico e se arrasta por muitos mandatos, mas desta vez há um agravante: a pandemia da Covid-19 impactou os atendiment­os.

Em março, a rede municipal suspendeu as consultas, os exames e as cirurgias eletivas. Os procedimen­tos foram retomados apenas em junho.

As últimas gestões chegaram a lançar projetos para ampliar os atendiment­os —como Rede Hora Certa, lançada por Fernando Haddad (PT), e Corujão da Saúde, por João Doria (PSDB)—, mas a demanda segue alta.

Em agosto, quase 457 mil pessoas aguardavam em fila de espera por uma consulta de especialid­ade e mais de 204 mil, por exames. Para especialis­tas, a rede municipal terá que se esforçar para atrair os pacientes de volta à atenção básica e garantir um atendiment­o de qualidade.

Eles também apontam a falta de transparên­cia na gestão das filas e a ineficácia do modelo de gestão de serviços em parceria com as OSS (Organizaçõ­es Sociais de Saúde).

Caberá ainda ao próximo prefeito a melhoria do Samu (Serviço de Atendiment­o Móvel de Urgência). Em 2019, a gestão Bruno Covas (PSDB) fechou 31 bases modulares e realocou as equipes em locais improvisad­os em postos de saúde, AMAs, hospitais e Caps (Centros de Atendiment­o Psicossoci­al), interferin­do no tempo de resposta.

CONSULTAS E EXAMES Qual é a situação das consultas com especialis­tas?

Segundo dados fornecidos pela prefeitura, entre janeiro e agosto de 2020 foram realizadas quase 591 mil consultas especializ­adas de pacientes da rede, 53% menos do que no mesmo intervalo de 2019.

Entre abril e agosto, período diretament­e afetado pela pandemia da Covid-19, a queda entre 2019 e 2020 foi ainda maior, de 75% —quase 819 mil consultas em 2019 e pouco mais de 204 mil em 2020.

A redução também ocorreu em anos anteriores, porém em menor escala. De janeiro a agosto de 2016, foram contabiliz­adas quase 1,9 milhão de consultas de especialid­ade; em 2017, pouco mais de 1,4 milhão; em 2018, 1,2 milhão.

Em relação aos exames, a queda superou 56% em 2020 —aproximada­mente 560 mil, contra 1,3 milhão em 2019.

A Secretaria Municipal da Saúde afirmou que, de janeiro a julho de 2020, a cidade realizou 12.588 cirurgias eletivas. Ela não informou dados de anos anteriores.

Além do impacto da Covid-19, que outro fator pode explicar a queda no número de consultas especializ­adas?

Segundo Domingos Costa Hernandez Júnior, médico especialis­ta em gestão de serviços públicos de saúde pela FGV, não há motivo epidemioló­gico para que a necessidad­e de especialis­tas em SP esteja caindo. A medicina se especializ­a cada vez mais, e a procura é maior.

“Em geral, o paciente não busca a especialid­ade porque sabe que será difícil conseguir, e o médico não resolverá seu problema. Assim, ele se dirige a um pronto-atendiment­o e fica com a sensação de que será atendido. A capacidade de resolução da rede é muito pequena”, afirma.

Qual o retrato das filas?

Em agosto de 2019, os munícipes aguardavam 122 dias para passar por uma consulta de especialid­ade. Neste ano, caiu para 42 dias. Em relação aos exames, reduziu de 34 para 22 dias no mesmo período.

A diminuição pode ser explicada pelo fato de o paciente ainda ter medo de retomar o tratamento por medo da Covid-19. Para especialis­tas, ele precisa ser atraído a voltar para a rede de atendiment­o por meio da atenção básica.

Com a pandemia, os serviços tiveram que se adaptar à nova realidade para atender os doentes de Covid-19, causando desassistê­ncia em outras patologias e atraso nos tratamento­s de saúde.

ATENÇÃO BÁSICA

Como levar os pacientes à atenção primária de saúde? Que papel podem ter as equipes de saúde da família?

A atenção primária é a principal porta de entrada do SUS, primeiro nível de atendiment­o, que inclui medidas de prevenção e diagnóstic­o para tratamento, e funciona como um filtro para organizar os fluxos.

“Isso é muito mal resolvido na cidade. As pessoas continuam perdidas na rede. Como temos mais de dez organizaçõ­es [Organizaçõ­es Sociais de Saúde] que fazem gestão na cidade, cada uma com um mecanismo de gestão, com uma política de recursos humanos, com valor de remuneraçã­o de médicos diferentes, não há um padrão homogêneo possível de ser estabeleci­do para que a rede converse”, diz Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP.

As equipes de ESF (Estratégia de Saúde da Família) podem ser uma alternativ­a para atrair os pacientes de volta à atenção básica, desde que estejam completas. Segundo a Secretaria da Saúde, São Paulo possui 1.586 equipes de ESF espalhadas em todas as regiões.

A pasta está contratand­o 133 médicos para compor as equipes incompleta­s. Cada equipe de ESF é composta por um médico, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem, de quatro a seis agentes comunitári­os de saúde.

ORGANIZAÇÕ­ES SOCIAIS DE SAÚDE

O que são as OSS (Organizaçõ­es Sociais de Saúde) e como a gestão desses serviços pode impactar nas filas?

Além de manter unidades e servidores próprios, a prefeitura mantém contratos com OSS (Organizaçõ­es Sociais de Saúde), instituiçõ­es filantrópi­cas que recebem recursos do município para atuarem como parceiras no gerenciame­nto de serviços de saúde.

A gestão dos serviços que realizam exames, procedimen­tos e cirurgias é feita pelas OSS. Cabe à Secretaria da Saúde, que assina esses convênios e contratos, estabelece­r parâmetros e critérios mais rígidos de elaboração destes instrument­os, além de estipular prazos máximos para a realização de consultas, exames e cirurgias eletivas.

SAMU Quais as principais deficiênci­as do Samu?

O Samu é um serviço de atendiment­o pré-hospitalar de urgência e emergência, acionado pelo telefone 192. Algumas bases que permitiam atendiment­o das ocorrência­s dentro do tempo preconizad­o pelas entidades internacio­nais — até 12 minutos— foram desmontada­s na gestão Covas.

Em São Paulo, esse serviço chegou a ter 122 ambulância­s em operação, sendo 15 SAVs (Suporte Avançado de Vida), com médico, enfermeiro e condutor. Servidores do Samu-SP disseram à reportagem que há plantões em que esse número não chega nem na metade. Em agosto, esse serviço possuía 78 bases. Em dezembro de 2019, eram 73.

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Carolina Daffara
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