Consultas e exames represados desafiarão eleito em São Paulo
Procedimentos de saúde foram interrompidos em março devido à pandemia e retomados em junho; em agosto, 457 mil esperavam atendimento de especialista em SP
O próximo prefeito de SP terá que lidar com a demanda de consultas, exames de saúde e cirurgias represada após a paralisação de procedimentos na pandemia da Covid-19. Longas filas já se arrastam por vários mandatos. Caberá a ele também a melhoria do Samu, depois do fechamento de bases.
são paulo A gestão das filas para consultas e exames especializados e também para cirurgias eletivas será um dos principais desafios do próximo prefeito de São Paulo na área da saúde. O problema das longas filas é crônico e se arrasta por muitos mandatos, mas desta vez há um agravante: a pandemia da Covid-19 impactou os atendimentos.
Em março, a rede municipal suspendeu as consultas, os exames e as cirurgias eletivas. Os procedimentos foram retomados apenas em junho.
As últimas gestões chegaram a lançar projetos para ampliar os atendimentos —como Rede Hora Certa, lançada por Fernando Haddad (PT), e Corujão da Saúde, por João Doria (PSDB)—, mas a demanda segue alta.
Em agosto, quase 457 mil pessoas aguardavam em fila de espera por uma consulta de especialidade e mais de 204 mil, por exames. Para especialistas, a rede municipal terá que se esforçar para atrair os pacientes de volta à atenção básica e garantir um atendimento de qualidade.
Eles também apontam a falta de transparência na gestão das filas e a ineficácia do modelo de gestão de serviços em parceria com as OSS (Organizações Sociais de Saúde).
Caberá ainda ao próximo prefeito a melhoria do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Em 2019, a gestão Bruno Covas (PSDB) fechou 31 bases modulares e realocou as equipes em locais improvisados em postos de saúde, AMAs, hospitais e Caps (Centros de Atendimento Psicossocial), interferindo no tempo de resposta.
CONSULTAS E EXAMES Qual é a situação das consultas com especialistas?
Segundo dados fornecidos pela prefeitura, entre janeiro e agosto de 2020 foram realizadas quase 591 mil consultas especializadas de pacientes da rede, 53% menos do que no mesmo intervalo de 2019.
Entre abril e agosto, período diretamente afetado pela pandemia da Covid-19, a queda entre 2019 e 2020 foi ainda maior, de 75% —quase 819 mil consultas em 2019 e pouco mais de 204 mil em 2020.
A redução também ocorreu em anos anteriores, porém em menor escala. De janeiro a agosto de 2016, foram contabilizadas quase 1,9 milhão de consultas de especialidade; em 2017, pouco mais de 1,4 milhão; em 2018, 1,2 milhão.
Em relação aos exames, a queda superou 56% em 2020 —aproximadamente 560 mil, contra 1,3 milhão em 2019.
A Secretaria Municipal da Saúde afirmou que, de janeiro a julho de 2020, a cidade realizou 12.588 cirurgias eletivas. Ela não informou dados de anos anteriores.
Além do impacto da Covid-19, que outro fator pode explicar a queda no número de consultas especializadas?
Segundo Domingos Costa Hernandez Júnior, médico especialista em gestão de serviços públicos de saúde pela FGV, não há motivo epidemiológico para que a necessidade de especialistas em SP esteja caindo. A medicina se especializa cada vez mais, e a procura é maior.
“Em geral, o paciente não busca a especialidade porque sabe que será difícil conseguir, e o médico não resolverá seu problema. Assim, ele se dirige a um pronto-atendimento e fica com a sensação de que será atendido. A capacidade de resolução da rede é muito pequena”, afirma.
Qual o retrato das filas?
Em agosto de 2019, os munícipes aguardavam 122 dias para passar por uma consulta de especialidade. Neste ano, caiu para 42 dias. Em relação aos exames, reduziu de 34 para 22 dias no mesmo período.
A diminuição pode ser explicada pelo fato de o paciente ainda ter medo de retomar o tratamento por medo da Covid-19. Para especialistas, ele precisa ser atraído a voltar para a rede de atendimento por meio da atenção básica.
Com a pandemia, os serviços tiveram que se adaptar à nova realidade para atender os doentes de Covid-19, causando desassistência em outras patologias e atraso nos tratamentos de saúde.
ATENÇÃO BÁSICA
Como levar os pacientes à atenção primária de saúde? Que papel podem ter as equipes de saúde da família?
A atenção primária é a principal porta de entrada do SUS, primeiro nível de atendimento, que inclui medidas de prevenção e diagnóstico para tratamento, e funciona como um filtro para organizar os fluxos.
“Isso é muito mal resolvido na cidade. As pessoas continuam perdidas na rede. Como temos mais de dez organizações [Organizações Sociais de Saúde] que fazem gestão na cidade, cada uma com um mecanismo de gestão, com uma política de recursos humanos, com valor de remuneração de médicos diferentes, não há um padrão homogêneo possível de ser estabelecido para que a rede converse”, diz Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP.
As equipes de ESF (Estratégia de Saúde da Família) podem ser uma alternativa para atrair os pacientes de volta à atenção básica, desde que estejam completas. Segundo a Secretaria da Saúde, São Paulo possui 1.586 equipes de ESF espalhadas em todas as regiões.
A pasta está contratando 133 médicos para compor as equipes incompletas. Cada equipe de ESF é composta por um médico, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem, de quatro a seis agentes comunitários de saúde.
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE
O que são as OSS (Organizações Sociais de Saúde) e como a gestão desses serviços pode impactar nas filas?
Além de manter unidades e servidores próprios, a prefeitura mantém contratos com OSS (Organizações Sociais de Saúde), instituições filantrópicas que recebem recursos do município para atuarem como parceiras no gerenciamento de serviços de saúde.
A gestão dos serviços que realizam exames, procedimentos e cirurgias é feita pelas OSS. Cabe à Secretaria da Saúde, que assina esses convênios e contratos, estabelecer parâmetros e critérios mais rígidos de elaboração destes instrumentos, além de estipular prazos máximos para a realização de consultas, exames e cirurgias eletivas.
SAMU Quais as principais deficiências do Samu?
O Samu é um serviço de atendimento pré-hospitalar de urgência e emergência, acionado pelo telefone 192. Algumas bases que permitiam atendimento das ocorrências dentro do tempo preconizado pelas entidades internacionais — até 12 minutos— foram desmontadas na gestão Covas.
Em São Paulo, esse serviço chegou a ter 122 ambulâncias em operação, sendo 15 SAVs (Suporte Avançado de Vida), com médico, enfermeiro e condutor. Servidores do Samu-SP disseram à reportagem que há plantões em que esse número não chega nem na metade. Em agosto, esse serviço possuía 78 bases. Em dezembro de 2019, eram 73.