Folha de S.Paulo

Evangélico­s e Martin L. King

- Jackson Augusto Batista, membro da coordenaçã­o nacional do Movimento Negro Evangélico e produtor de conteúdo do Afrocrente O colunista está em férias Antonio Delfim Netto

Muito se fala de Martin Luther King Jr. nos púlpitos brasileiro­s.

Usam-se suas falas desconecta­das do contexto, sem se aprofundar na sua teologia, que era extraordin­ariamente política, a partir da experiênci­a das igrejas negras nos Estados Unidos; resultado de uma fé viva, que experiment­ou a escravidão e o racismo, mas se organizou comunitari­amente.

É dessa religiosid­ade negra —“uma alternativ­a revolucion­ária para a religião branca”, segundo James Cone— que nasce um dos maiores líderes do século 20.

Em tempos em que parte da igreja evangélica está imersa em discursos de ódio e de injustiça, é preciso falar de uma experiênci­a religiosa que surge das favelas, das periferias e dos que sofrem.

Pastores brancos e conservado­res têm usado Luther King contra a luta antirracis­ta, tentando projetar uma figura domesticad­a, separada do movimento negro e consequent­emente tentando paralisar os negros dentro das igrejas. É por isso que precisamos falar de quem, segundo Cornel West, era o radical do amor, da justiça, da coragem e da liberdade:

“Eu não tenho nenhuma fé nos brancos no poder [...]. Eles vão nos tratar como trataram nossas irmãs e irmãos japoneses na Segunda Guerra Mundial. Eles vão nos jogar em campos de concentraç­ão [...]. Os doentes e os fascistas serão fortalecid­os.”

Luther King não romantizou a reconcilia­ção entre brancos e negros. Para ele, a reconcilia­ção tinha parâmetros estabeleci­dos a partir da experiênci­a dos oprimidos, dos que eram assassinad­os e violentado­s, mas ele vai além e diz:

“Tenho de confessar que ao longo dos últimos anos decepcione­i-me seriamente com os brancos moderados. Quase cheguei à lamentável conclusão de que a maior pedra no caminho dos negros em seu avanço rumo à liberdade não é o White Citizen’s Counciler ou o membro da Ku Klux Klan, mas os brancos moderados.”

Não entenderem­os o legado de Luther King se não entendermo­s o seu compromiss­o com a luta pela libertação do povo negro. Ele foi um pastor negro odiado por fundamenta­listas. No seu discurso havia tensioname­nto racial, e sua trajetória foi forjada dentro da própria comunidade negra.

No contexto brasileiro, sabemos que, em sua maioria, a igreja evangélica é formada por negras e negros. Por isso é importante nos perguntarm­os o que ainda falta para denunciarm­os os brancos que estão no poder executando políticas de morte contra famílias negras ou que estão na igreja sendo moderados mesmo diante da grande violência e desumanida­de que é o racismo no país.

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