Reeleição de Crivella será teste de popularidade de Bolsonaro
Pleito no Rio tem falta de unidade na esquerda e abalos ao prefeito e a Paes
rio de janeiro A força do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) será testada na disputa pela Prefeitura do Rio de Janeiro, seu domicílio eleitoral.
Antes disposta a afrouxar os laços com Marcelo Crivella (Republicanos) sob o argumento da neutralidade, a família Bolsonaro passou a defender abertamente sua candidatura à reeleição após recente operação policial na casa e no gabinete do prefeito.
Crivella, porém, pode se tornar inelegível depois de o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio formar maioria para condená-lo por suposto abuso de poder político na eleição de 2018. Ele é acusado de levar funcionários da prefeitura a um ato de campanha do filho Marcelo Hodge Crivella, então candidato a deputado.
Dos 7 integrantes do TRERJ, 6 votaram pela condenação do prefeito. Vitor Marcelo, que integra a corte como advogado, pediu vista, o que deixou a conclusão do julgamento para esta quinta-feira (24).
Se condenado, Crivella ficaria inelegível por oito anos a partir do fato, ou seja, até 2026. Ele poderia manter a candidatura, no entanto, até esgotar todos os recursos.
No último dia 10, Crivella, em sua casa e em seu gabinete, já havia sido alvo de busca e apreensão como parte da investigação sobre um suposto esquema de corrupção.
A operação foi recebida pela família Bolsonaro como uma tentativa de desgaste da imagem do presidente e seus filhos —o vereador Carlos e o senador Flávio são filiados ao partido do prefeito.
Flávio chegou a divulgar vídeo em que lê um artigo segundo o qual “o alinhamento das atuais gestões municipal e estadual no Rio provocou uma artilharia da Rede Globo e seu canal de notícias”.
“Há um excesso de ataques de ordem pessoal e familiar. A presunção de inocência não existe”, afirmou o senador.
Até então, a estratégia da família era evitar se contaminar com a rejeição sofrida por Crivella, que estava em 72% segundo pesquisa do Datafolha de dezembro passado.
O inquérito sobre suposto envolvimento do prefeito em um esquema apelidado de “QG da propina” antecipou, porém, a explicitação de apoio, dando sobrevida a ele.
Além de Crivella, o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) também foi alvo de busca e apreensão, dois dias antes.
A Justiça Eleitoral aceitou denúncia do Ministério Público do Rio de que Paes teria recebido R$ 10,8 milhões não declarados da Odebrecht na campanha de 2012, no MDB.
Os abalos dos favoritos e a falta de unidade na esquerda criaram, para os outros 12 concorrentes, a esperança de chegada ao segundo turno.
Caberá à campanha de Crivella e Paes usar o exemplo do governador afastado Wilson Witzel (PSC) —que enfrenta um processo de impeachment— para alertar o eleitor sobre o risco de apostar em uma novidade em plena pandemia do coronavirus.
Sobre o peso de Bolsonaro na eleição carioca, o coordenador da campanha de Crivella, Rodrigo Bethlem, afirma que “não há como fugir da nacionalização no Rio”.
Ele diz ainda que Bolsonaro e Crivella têm uma amizade de muitos anos. E ressalta que o PSDB —partido do governador de São Paulo, João Doria— é aliado de Paes.
“Isso sinaliza que Paes estará com Doria na campanha presidencial de 2022”, afirma.
Na tentativa de atrair o voto bolsonarista sem afugentar eleitores de esquerda, Paes acena a Bolsonaro com a possibilidade de uma parceria, caso seja eleito.
Dizendo-se um pragmático em defesa do Rio, o ex-prefeito conta ter optado por um vice cujo partido, o PL, não tem candidato ao Planalto. Ele lembra ainda que Crivella foi ministro da Pesca no governo de Dilma Rousseff (PT).
No Rio, fracassou a tentativa de lançamento de uma candidatura única de partidos de esquerda. Lançada pelo PT, a ex-governadora Benedita da Silva afirma haver “espaço para uma candidatura do povo no segundo turno”.
“O Rio é domicílio do Bolsonaro, mas também é o meu domicílio eleitoral e foi o de grandes brasileiros que lutaram contra o fascismo que Bolsonaro representa. Os verdadeiros patriotas sabem disso”, diz.
Pelo PSOL, a deputada Renata Souza se apresenta como candidata da maior força de esquerda no Rio.
Sem citar alianças passadas do PT, ela afirma que o distanciamento da base Garotinho, Cabral, Crivella e Eduardo Paes permitiu ao PSOL “abrir o debate galgado na participação de movimentos urbanos e da sociedade organizada”.
“Temos a responsabilidade de construir aqui a principal força de oposição ao que esse grupo representa: intolerância, ódio, esquemas de vantagem pessoal e negacionismo. Uma velha política que se traveste de nova mas representa mais violência e desigualdade”.
Filha dos ex-governadores Anthony e Rosinha Matheus, a deputada federal Clarissa Garotinho (Pros) afirma que o Rio precisa de um prefeito com capacidade de diálogo com o presidente. “Me coloco como opção de centro. Crivella é um falso bolsonarista. Foi ministro do PT.”
Pelo PSL, o deputado federal Luiz Lima também busca atrair o eleitor de Bolsonaro. O ex-nadador afirma defender o presidente “com unhas e dentes” e espera contar com a confiança dele na eleição.
Ele trabalha para reconquistar o apoio do presidente após ter abandonado o projeto da família de criação de um novo partido, o Aliança pelo Brasil. Flávio Bolsonaro já avisou, no entanto, que não será permitido a ele o uso da imagem do pai durante a campanha.
O PDT, de Ciro Gomes, aposta na candidatura da deputada estadual e delegada aposentada Martha Rocha. A Rede, de Marina Silva, lançou o ex-presidente do Flamengo Eduardo Bandeira de Mello.
Candidato do Novo, o empresário Fred Luz minimiza a influência das disputas nacionais. Ele defende diálogo do eleito com o presidente. “Não é conversa de amiguinho. Mas voltada para o Rio.”
Prefeito pode manter campanha mesmo se se tornar inelegível
rio de janeiro Recursos podem ser uma brecha para o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), manter sua campanha à reeleição mesmo que o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) fluminense o torne inelegível na sessão marcada para esta quinta (24).
O TRE-RJ formou maioria na segunda (21) para tornar Crivella inelegível por oito anos por suposto abuso de poder na eleição de 2018. De 7 integrantes, 6 votaram pela condenação; a sessão foi interrompida por pedido de vista de Vitor Marcelo Rodrigues.
Apesar da tendência pela condenação, as regras eleitorais e o calendário reajustado devido à pandemia deverão possibilitar a participação de Crivella na disputa.
Especializado em direito eleitoral, o advogado Alexandre Rollo lembra que o julgamento nem sequer foi concluído. Ele explica que só a partir do acórdão serão abertos prazos para que os adversários entrem com pedido de impugnação do registro da candidatura e para que Crivella apresente sua defesa.
A publicação do acórdão deverá acontecer na semana que vem, quando a campanha já estiver oficialmente iniciada. Além disso, Crivella poderá recorrer ao TRE-RJ e ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para reverter a decisão por sua inelegibilidade.
Outro especialista destaca uma mudança introduzida em 2019 no Código Eleitoral.
De acordo com artigo 262, “a inelegibilidade superveniente apta a viabilizar o recurso contra a expedição de diploma, decorrente de alterações fáticas ou jurídicas, deverá ocorrer até a data fixada para que os partidos políticos e as coligações apresentem os seus requerimentos de registros de candidatos”.
Além disso, segundo a lei eleitoral, “as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro”.
Como Crivella não tinha impedimentos legais quando efetuou o registro de sua candidatura, ele poderia disputar a reeleição. Caso eleito, sua diplomação seria questionada.
Adversário de Crivella, o exprefeito Eduardo Paes (DEM) passa por situação parecida. Em 2017, Paes ficou inelegível após ser condenado pelo TRERJ por abuso de poder político-econômico e conduta vedada (ceder ou usar bens da administração pública em benefício de candidatura política).
Em maio de 2018, no entanto, decisão liminar do ministro Jorge Mussi, do TSE, suspendeu a condenação até que a corte em Brasília julgasse o mérito da questão —o que até este momento não aconteceu.
Isso permitiu que Paes se candidatasse ao governo do Rio —ele terminou derrotado pelo hoje governador afastado, Wilson Witzel.
Em nota na segunda-feira, a prefeitura afirmou que o julgamento de Crivella não acabou. “O prefeito poderá participar do pleito.” A defesa do prefeito não respondeu à Folha.