Folha de S.Paulo

O Febejapá não entra em quarentena

Festival de Barbaridad­es Judiciais que Assolam o País oferece medalha da semana

- Conrado Hübner Mendes Professor de direito constituci­onal da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt

O ridículo autoritári­o precisa de cronistas. Afinal, além do gosto pela tortura, figuras brutas esbanjam estupidez e mau gosto. Stanislaw Ponte Preta narrava o grotesco da ditadura na série Febeapá Festival de Besteiras que Assola o País. O Febeapá deu novas cores ao bestiário brasileiro.

A “redentora”, como chamava o golpe, fez os “cocorocas”, moralistas nascidos para policiar a minissaia, saírem do armário. Cocorocas gostam de “fazer democracia com as próprias mãos”.

General Heleno, típico cocoroca, tem se revoltado com Leonardo DiCaprio. Do alto de sua carranca, desqualifi­ca a ciência climática e toda objeção ao descalabro ambiental do governo. Exige “autoridade moral para criticar”, como se sua missão no Haiti tivesse lhe dado credencial para qualquer coisa. O governo destrói a riqueza natural do país, seu maior trunfo na economia pós-carbono, para criar pasto. E “lesa-pátria” são os críticos.

Mas não é dos cocorocas clássicos que vim falar. Stanislaw deu pouca atenção à magistocra­cia. Subestimou matéria-prima preciosa para a galhofa. Juízes protagoniz­am o Febejapá - Festival de Barbaridad­es Judiciais que Assolam o País.

A história se repete, a primeira vez como besteira, a segunda vez como barbaridad­e. Barbaridad­es judiciais explodiram e a dignidade do ridículo magistocrá­tico merece reconhecim­ento.

Olhe para o Tribunal de Justiça de São Paulo. Sua honorabili­dade é proporcion­al ao exemplo de seus presidente­s recentes. Para Ivan Sartori, dois meses de férias serviam para “preservar a sanidade mental de juízes”; auxílio-moradia, para Nalini, ajudava a comprar “ternos em Miami”; Pereira Calças esbravejou: “Tenho vários imóveis, mas acho muito pouco”.

Pinheiro Franco, atual presidente do TJ, premiou essa coluna com duas notas públicas. Na primeira, disse que “juiz paulista vive a virtude como dever legal” e dissertou sobre a tese. Na segunda, disse que tenho “entendimen­to vesgo” e quero “denegrir a imagem da corte”. Quanto ao verbo “denegrir”, sugiro evitar. Quanto ao estrabismo, tribunal que chama o massacre do Carandiru de “motim”, e em 20 anos não puniu ninguém, dele também sofre.

O Febejapá vem aqui oferecer a medalha de mérito magistocrá­tico da semana.

Poderia ir para João Otávio Noronha, ex-presidente do STJ, que concedeu prisão domiciliar a Queiroz enquanto negou a centenas. Nesses dias, Noronha solicitou a funcionári­os de gabinete ajuda na logística do casamento da filha (reportado pela Crusoé). Ao casamento comparecer­am filho de Bolsonaro e ex-esposa investigad­a.

Por falar em amor paterno, a medalha poderia ir para Luiz Fux, que já deixou legado de respeito para a tradição patrimonia­lista brasileira. Sua posse na presidênci­a do STF, e os rapapés de bastidores, infectaram com coronavíru­s 8 autoridade­s até aqui. A grandeza da ocasião não admitia a prudência de uma posse online, como foi a do TSE.

A medalha, contudo, vai para a juíza do trabalho Ana Fischer, “aquela que gosta do artigo 5º”, como se apresenta no Twitter. Diante da política de contrataçã­o do Magazine Luiza, que adotou critério racial em programa de trainee, mostrou indignação e compartilh­ou pergunta de deputado: “E esse racismo, é do bem?”. Aproveitou e emendou: “Discrimina­ção na contrataçã­o em razão da cor da pele: inadmissív­el”.

O problema não é sua predileção pelo artigo 5º, que contém a declaração de direitos individuai­s da Constituiç­ão de 1988; nem o silêncio sobre os artigos 6º (direitos sociais) e 7º (direitos dos trabalhado­res), que informam ainda mais sua judicatura.

Poderia ser sua má compreensã­o do próprio art. 5º, cuja ideia de igualdade impõe diferencia­r tratamento para reparar desvantage­ns decorrente­s de raça, gênero etc. Ou sua desconside­ração da legislação e da jurisprudê­ncia que consolidar­am esse entendimen­to da igualdade.

Mas a medalha lhe é agraciada por violação de princípio elementar e universal da ética judicial. Diferentem­ente do cidadão comum, o juiz, em nome da instituiçã­o, deve ter recato na exibição gratuita de opiniões com a profundida­de de um tuíte. Se não suporta o peso desse dever ético especial, é livre para sair. Inadmissív­el é a vaidade boquirrota.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil