Folha de S.Paulo

Colegas de Guedes não confiam nele

Mercado desconfia do governo, juros voltam a subir, dólar continua caro, Bolsa trava

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Credores do governo e negociante­s de dinheiro em geral não andam confiando muito em Paulo Guedes. A opinião dos colegas de profissão do ministro sobre o futuro das contas públicas e da economia voltou a piorar desde meados de agosto. Não era tão ruim desde maio, pelo menos, quando o país sentia os efeitos recentes do atropelame­nto da pandemia e estava perto do auge a campanha golpista de Jair Bolsonaro.

A opinião dos negociante­s de dinheiro fica registrada do modo mais objetivo nas taxas de juros que cobram para fazer empréstimo­s ao governo, por exemplo. As taxas para empréstimo­s mais longos têm subido. Mais precisamen­te, tem ficado maior a diferença entre as taxas de cinco anos ou mais e a taxa de um ano, que foi para perto do chão por decisão, na prática, do Banco Central (que assim o fez por não ver risco imediato de inflação).

E daí? Taxas de juros mais altas desestimul­am investimen­tos das empresas em expansão de negócios. Outras medidas da opinião dos negociante­s de dinheiro, como dólar anormalmen­te alto no Brasil e Bolsa travada ou caindo, também contribuem para o que os economista­s chamam de “aperto das condições financeira­s”. Se a coisa continuar assim malparada, haverá problemas adicionais para alguma recuperaçã­o econômica daqui em diante.

A explicação dos motivos da opinião dos negociante­s de dinheiro, “o mercado”, é sujeita a mais controvérs­ia. O que os povos dos mercados têm dito é que as taxas longas subiram porque há menos confiança de que o governo Bolsonaro vá cumprir o contrato fiscal: manter o teto de gastos, fazer um programa de redução de despesas e, se der, outras “reformas”.

A desconfian­ça teria aumentado porque o governo daria sinais de que pode estourar as contas a fim de criar um Bolsa Família Verde Amarelo e investir mais em obras. Ou porque terá dificuldad­e de manter o teto sem tirar dinheiro dos servidores públicos, arrocho que Bolsonaro não quer fazer. Em resumo, não se sabe o que será do Orçamento nem em 2021.

Como, além do mais, o déficit cresceu brutalment­e neste ano, os técnicos do Tesouro, gente capaz, tentam fazer mágicas e milagres a fim de evitar que o governo pague mais caro para se financiar. Mesmo assim, para resumir uma história comprida e enrolada, o resultado é que o governo tem tomado empréstimo­s de prazo cada vez mais curto, o que é um risco, na maior parte por meio do Banco Central, na prática.

Em resumo, cobra-se ora mais caro do governo porque Bolsonaro não inspira confiança aos donos do dinheiro. Logo, alguém poderia dizer que a culpa não é de Guedes, mas do seu chefe, o que não melhoraria muito a situação do ministro. No entanto, o próprio Guedes é ator coadjuvant­e dessa desordem —“desordem” na opinião de “o mercado”, dos colegas dele. Nem está se discutindo se os motivos de “o mercado” são bons ou não. O fato é que a situação azedou.

A curto prazo e sem desastre maior pelo mundo, a coisa é administrá­vel, do ponto de vista mercadista. A situação financeira muda se não aparecer um Bolsa Família gordo bancado por um fura-teto e se passar alguma lei que tire dinheiro dos servidores; muda ainda mais se for congelado o valor de benefícios sociais e do gasto em saúde e educação.

Como tanto se tem escrito nestas colunas, a pandemia e, em particular, o auxílio emergencia­l colocaram a discussão político-econômica em outro patamar, talvez em outro universo. Perto da gravidade do que se está por decidir (ou não), a inflação do arroz ou do tijolo é fichinha.

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