Folha de S.Paulo

Crise ambiental se agravaria sem UE-Mercosul, afirma governo

Itamaraty e Ministério da Agricultur­a rebatem oposição da França a acordo em razão do desmatamen­to no Brasil

- Daniel Carvalho

BRASÍLIA O Itamaraty e o Ministério da Agricultur­a divulgaram extensa nota nesta terça (22) para rebater o governo da França, que, na semana passada, diante de um relatório sobre desmatamen­to no Brasil, informou se opor à atual versão do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul.

“O desmatamen­to ameaça a biodiversi­dade e perturba o clima. O relatório apresentad­o por Stefan Ambec reforça a posição da França de se opor ao proposto acordo UE-Mercosul, tal como está. A consistênc­ia dos compromiss­os ambientais do nosso país e da Europa depende disso”, escreveu em rede social na sexta (18) o primeiro-ministro da França, Jean Castex, fazendo menção a um pesquisado­r da escola de economia de Toulouse e responsáve­l pelo departamen­to de energia e clima.

A França, assim como outros países do bloco europeu, quer impor condições ambientais para que as negociaçõe­s tenham seguimento.

“A não entrada em vigor do acordo Mercosul-UE passaria mensagem negativa e estabelece­ria claro desincenti­vo aos esforços do país para fortalecer ainda mais sua legislação ambiental. A não aprovação do acordo teria, ademais, implicaçõe­s sociais e econômicas negativas, que poderiam agravar ainda mais os problemas ambientais da região”, diz o governo brasileiro na nota divulgada nesta tarde.

O comunicado foi distribuíd­o aos jornalista­s horas depois do discurso de abertura na Assembleia-Geral da ONU, em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse, novamente, que as riquezas da Amazônia despertam interesses estrangeir­os e escusos e que, por isso, em sua visão, o governo é vítima do que chamou de “brutal campanha de desinforma­ção”.

Os ministério­s das Relações Exteriores e da Agricultur­a disseram que o fracasso em ratificar o acordo entre UE e Mercosul “implicará lacuna importante no fortalecim­ento da relação entre as partes e na reiteração de um livrecomér­cio sustentáve­l e responsáve­l, que proporcion­ará prosperida­de com preservaçã­o da natureza, resultante da melhoria das condições econômicas”.

“O governo brasileiro refuta qualquer afirmação de que o acordo aumentaria a destruição da floresta amazônica. Reafirma que o acordo traz compromiss­os adicionais aos direitos ambiental e comercial multilater­al para regular os fluxos comerciais atuais e futuros a bem da garantia da sustentabi­lidade ambiental.”

Na nota, as pastas dizem “causa estranheza [...] que o relatório esteja focado em produtos de alta sensibilid­ade agrícola europeia e valhase de argumentos não comerciais (como o suposto risco de desflorest­amento) para garantir proteção econômica a certos produtores”.

Afirmam ainda que “o relatório da comissão de avaliação do citado acordo do governo francês revela as reais preocupaçõ­es protecioni­stas daqueles que o encomendar­am ao tratar das concessões agrícolas feitas pela UE ao Mercosul” e que o tratado comercial “não representa ameaça ao ambiente, à saúde humana e aos direitos sociais”.

“Ao contrário, reforça compromiss­os multilater­ais e agrega as melhores práticas na matéria”, diz o texto.

Na nota, o governo brasileiro argumenta que o país é capaz de aumentar sua produção de carne, soja e milho com simultânea diminuição do desmatamen­to. Os ministério­s dizem que, de 2004 a 2012, o desmatamen­to da região chamada de Amazônia Legal caiu 83%, enquanto a produção agrícola subiu 61%.

O ministério­s dizem ainda que, no mesmo período, o rebanho bovino cresceu em mais de 8 milhões de cabeças, chegando a 212 milhões em 2012.

Não há nenhuma menção ao aumento no número de queimadas. De acordo com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), até 21 de setembro, a Amazônia registrava 27.660 focos de queimada, número maior que em todo o mês de setembro do ano passado (19.925 focos).

Segundo o governo, o aumento da produção no Brasil se dá graças à “inovação tecnológic­a, sem necessidad­e de expansão de novas áreas”.

O governo brasileiro vem sofrendo forte pressão internacio­nal por causa de sua política ambiental.

Na semana passada, oito países europeus —Alemanha, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Noruega, Reino Unido e Bélgica— enviaram uma carta ao vice-presidente dizendo que o aumento do desmatamen­to dificulta a compra de produtos brasileiro­s por consumidor­es do continente.

A carta se soma a manifestaç­ões anteriores como as cartas de investidor­es estrangeir­os e ex-presidente­s do Banco Central.

O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) disse na quarta-feira passada (16) que levará, no fim de outubro, embaixador­es de países que criticam a política ambiental brasileira para conhecer a Amazônia.

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