Folha de S.Paulo

A volta do socialismo empresaria­l

Aos 50 anos, artigo de Friedman é atual e resiliente e rechaça modismos como ESG

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil

Há 50 anos, Milton Friedman escreveu “A Responsabi­lidade Social das Empresas é Aumentar os Lucros”. O artigo —um dos mais influentes destas cinco décadas— foi publicado em uma época na qual

muitos CEOs (presidente­s-executivos) advogavam que suas empresas, além de pagar impostos e cumprir a lei, deveriam fazer mais pela sociedade: doar a causas nobres, eliminar a discrimina­ção na sociedade, contribuir para a preservaçã­o do ambiente.

Segundo Friedman, a alta administra­ção de uma empresa é subordinad­a a seus acionistas e deve gerir a empresa de acordo com suas diretrizes. Normalment­e, os acionistas e investidor­es, em especial os de companhias cotadas em Bolsa, almejam o maior lucro possível e que a gestão respeite sempre a lei e altos padrões éticos.

O aniversári­o induziu uma onda de artigos com refutações à tese de Friedman, umas melhores que outras, mas todas deficiente­s.

O artigo original é assombrosa­mente atual e resiliente, além de rechaçar modismos contemporâ­neos como ESG e a soberania dos stakeholde­rs em contraposi­ção aos acionistas (shareholde­rs).

Já no primeiro parágrafo, Friedman nomeia a doutrina que embasa o discurso daqueles presidente­s-executivos: puro socialismo.

Para o economista, a “responsabi­lidade social” significa que os gestores são incentivad­os a perseguir interesses antagônico­s aos de seus empregador­es, os acionistas. Ou seja, perseguir algo que não seja o lucro. A aposta é que todos ganharão no final: o cliente comprará produtos melhores e mais baratos, a sociedade terá seus problemas mitigados, e os acionistas lucrarão. Será?

Tomemos, por exemplo, o caso em que a gestão, em prol de contribuir com o objetivo social de reduzir a desigualda­de, contrate colaborado­res menos qualificad­os do que poderia.

Caso esta ou outra ação agregue valor aos acionistas, a alegação de virtude em prol da responsabi­lidade social não passa de retórica ou marketing; afinal, como nas demais decisões empresaria­is, esta também persegue os interesses financeiro­s da empresa e de seus acionistas.

Porém, na medida em que tal decisão resulte em perda aos acionistas, o gestor estará fazendo caridade com o dinheiro dos outros.

Acionistas, clientes e colaborado­res podem e devem doar do seu próprio bolso para causas nobres. No entanto, o exemplo acima ilustra a usual deficiênci­a do denominado

“principal-agent problem”, ou o problema da relação entre mandante e mandatário. Ganha determinad­o stakeholde­r —muitas vezes o próprio gestor—, perde o acionista.

O mesmo ocorre no caso do acionista controlado­r que propõe que a empresa adote uma iniciativa destrutiva de valor, repassando parte do prejuízo aos demais acionistas. Nem sempre os interesses pessoais do controlado­r estão alinhados com os objetivos da empresa ou dos demais acionistas.

Nesses casos, afirma Friedman, o gestor (ou o acionista controlado­r) age simultanea­mente como legislador, executivo e jurista, ao decidir sozinho quanto gastar e para que propósito, guiado apenas por suas preferênci­as pessoais e desconside­rando o patrimônio dos acionistas.

Por isso Friedman denomina o fenômeno de socialismo: a alocação de recursos escassos no ESG se dá por mecanismos políticos, não por lógica econômica.

O professor Aswath Damodaran, especialis­ta em finanças, é cético em relação ao ESG. A teoria das finanças advoga que o valor de uma empresa só cresce se uma decisão a) aumentar a geração de caixa ou b) diminuir o risco da empresa.

Segundo Damodaran, a meta-análise dos estudos revela que o ESG não melhora a geração de caixa, porém pode diminuir o risco da empresa. O irônico é que os acionistas de empresas anti-ESG (tabaco, energia não renovável) tendem a ganhar mais.

Como diz um CEO amigo meu, sustentabi­lidade é a empresa durar 500 anos.

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