Folha de S.Paulo

Sob ameaça de corte de R$ 430 mi, Defesa desiste de novo satélite

- Renato Machado e PW

brasília e são paulo O Ministério da Defesa abandonou momentanea­mente os planos para a compra de um controvert­ido satélite de monitorame­nto, que custaria R$ 145 milhões.

O anúncio da compra do equipament­o enfrentou críticas, pois o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) já fornece informaçõe­s que auxiliam no combate ao desmatamen­to na Amazônia.

O órgão sofre com sucessivos cortes no orçamento, e associaçõe­s de servidores de carreiras ligadas ao ambiente afirmaram que o novo satélite teria o objetivo de esvaziar suas funções.

A desistênci­a da aquisição se deve à redução no orçamento de 2020, na ordem de R$ 430 milhões, solicitada pela JEO (Junta de Execução Orçamentár­ia).

A Defesa encaminhou sua proposta para o corte na sexta-feira (18). Ela inclui a aquisição do primeiro satélite do projeto Lessônia 1, cujos recursos viriam do fundo da Lava Jato, por meio de repasses oriundos da Petrobras.

O fundo dispõe de R$ 530 milhões, que devem ser destinados exclusivam­ente para ações de preservaçã­o da Amazônia. A compra do satélite consumiria, portanto, mais de um quarto desse total.

O processo de licitação internacio­nal para a aquisição do equipament­o foi aberto no fim de julho. No entanto a pasta afirmou que ele será suspenso, caso sejam confirmado­s os cortes no orçamento, previstos para esta semana.

Fontes na pasta afirmam que a compra do satélite é alvo natural no corte, pois por estar ainda em licitação não teve início o desembolso de recursos.

A Defesa afirmou, em nota, que cortes no segundo semestre são sempre difíceis e que 80% das despesas da pasta são com pessoal.

“Destaca-se que todas as ações orçamentár­ias do MD [Ministério da Defesa] são relevantes e têm como objetivo o cumpriment­o de suas missões constituci­onais. Assim, o corte de orçamento gerará prejuízos nas ações das Forças Armadas, mas o MD irá se esforçar para cumprir as determinaç­ões da JEO”, disse.

O principal questionam­ento relacionad­o à aquisição se deve ao fato de que a Defesa estaria comprando um equipament­o que forneceria dados já disponibil­izados pelos sistemas do Inpe.

Apenas para efeitos de comparação, a lei orçamentár­ia de 2020 prevê R$ 118 milhões para todo o funcioname­nto do Inpe. O órgão mantém quatro sistemas de monitorame­nto, com o uso de satélites, que fornecem dados de desmatamen­to, queimadas e outros crimes ambientais nos biomas brasileiro­s.

O Ministério da Defesa, no entanto, refutou essa hipótese e afirma que o sistema de satélites que pretende adquirir será complement­ar aos dados fornecidos pelo instituto.

A pasta argumentou que o Lessônia 1 contém a tecnologia SAR (sigla em inglês para radar de abertura sintética), capaz de enxergar o terreno, mesmo que esteja sob nuvens.

“O projeto SipamSAR [projeto para implantar um sistema com múltiplos satélites de observação da terra] nasceu em complement­o ao sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, no período de maior cobertura das nuvens, já que o Deter utiliza imagens de satélites óticos. Portanto, não haverá sobreposiç­ão de funções do Inpe, mas sim complement­aridade”, informou a pasta.

“O sistema radar tem efetiva capacidade de detecção de mudanças. Todas as bandas são capazes de detectar mudanças, como a presença de dossel florestal ou perda de dossel florestal. Desta forma, a tecnologia atende as necessidad­es operaciona­is de detecção de desmatamen­to na Amazônia Legal, em complement­ariedade aos outros sistemas existentes”, disse.

A expectativ­a inicial era que o novo equipament­o entrasse em operação até o final do ano que vem.

O satélite estaria ligado ao Censipam (Centro Gestor e Operaciona­l do Sistema de Proteção da Amazônia), ligado ao Ministério da Defesa. Não seria, portanto, uma melhoria na estrutura do Inpe.

Segundo Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe e diretor do secretaria­do do GEO (Grupo de Observaçõe­s da Terra), o satélite Lessônia 1 não poderia ser usado imediatame­nte no combate ao desmatamen­to.

Câmara também reitera que os dados do Inpe já oferecem informaçõe­s suficiente­s para frear os crimes ambientais.

Os dados do Inpe foram usados, por exemplo, diz ele, para colocar em prática moratória da soja, que reduziu drasticame­nte o desmate ligado a grão —ao mesmo tempo que a produção de soja continuou a crescer no país.

A moratória da soja foi um pacto entre produtores, ambientali­stas e o governo, firmado inicialmen­te em 2006 e depois renovado, que na prática proibiu a compra de soja plantada em áreas recém-desmatadas na Amazônia.

Pesquisado­res também associam as informaçõe­s produzidas pelo Inpe e usadas em ações de comando e controle com uma redução acentuada de desmatamen­to na década passada, de cerca de 80% de 2004 a 2012.

O Lessônia 1 é o primeiro passo de um programa conduzido pela FAB (Força Aérea Brasileira) que prevê, entre outras funções, a capacidade de monitorame­nto da Amazônia. Trata-se do Pese (Programa Estratégic­o de Sensores Espaciais), que o Ministério da Defesa considera fundamenta­l para a “soberania espacial” do país.

Militares afirmam que o Pese possui duas vertentes —chamadas de “constelaçõ­es”—, o projeto Lessônia e o Carponis, um satélite óptico de alta resolução, usado em ações de defesa e também para agricultur­a, ambiente e planejamen­to urbano.

Em julho do ano passado, o ministro Fernando Azevedo e Silva disse por meio de ofício à Câmara dos Deputados que o projeto Lessônia 1 teria um custo aproximado de R$ 577,9 milhões. O satélite que seria comprado ao custo de R$ 145 milhões seria, portanto, apenas o primeiro do projeto.

“O valor de R$ 577,9 milhões refere-se simplesmen­te a dado constante de documento de planejamen­to do MD, com uma previsão de longo prazo para uma constelaçã­o mais completa. Trata-se apenas de dado de planejamen­to, uma vez que dependeria de recursos que ainda não foram alocados nem há qualquer previsão de alocação”, afirmou o MD em nota.

O ministério completa que apenas o primeiro satélite seria adquirido com recursos do fundo da Lava Jato.

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