Folha de S.Paulo

Cirurgia bariátrica pode prejudicar a fertilidad­e, diz estudo

Pesquisado­res brasileiro­s avaliaram pacientes homens por 6 meses, e não se sabe se quadro se altera no longo prazo

- Gabriel Alves

são paulo A qualidade dos espermatoz­oides, as células reprodutiv­as masculinas, pode cair drasticame­nte após a realização de cirurgia bariátrica, sugere um novo estudo publicado por pesquisado­res brasileiro­s na revista Obesity Surgery.

Embora os resultados tenham avaliado os pacientes apenas em um intervalo considerad­o curto, de seis meses, eles acendem o sinal amarelo para quem vai se submeter ao procedimen­to e que tem planos de ser pai.

A ideia da pesquisa, que embasou o doutorado de Guilherme Wood, urologista e especialis­ta em reprodução humana do Grupo Huntington, veio da observação de que, apesar da melhora evidente de muitos parâmetros de saúde dos pacientes, que chegavam a perder 70 kg, o impacto da bariátrica na fertilidad­e parecia ser muito ruim.

O estudo foi realizado em duas etapas.

Na primeira, houve a comparação de parâmetros ligados à fertilidad­e entre voluntário­s obesos (42) e saudáveis (32). Até aí, sem grande novidades: os pacientes obesos tinham menor produção de testostero­na e maiores níveis de estradiol (combinação inclusive ligada à disfunção erétil), além de pior qualidade do esperma, com menor volume ejaculado, menos espermatoz­oides e células menos móveis, ou seja, menos capazes de perseguir o destino rumo ao óvulo para fecundá-lo.

A novidade veio na sequência, com o acompanham­ento de 18 pacientes antes e depois da cirurgia e dos outros 14 que não foram operados.

Os operados, apesar de mais magros, menos hipertenso­s e com redução no consumo de álcool, e maior produção de testostero­na e outros hormônios ligados à fertilidad­e, apresentar­am menores níveis de produção de espermatoz­oides.

O total de espermatoz­oides ejaculados despencou 86%, de uma média de 122,8 milhões para 17 milhões.

Uma possível explicação para esse pior desempenho na produção de espermatoz­oides é a falta de nutrientes nos testículos (responsáve­is pela produção dessa células) devido à modificaçã­o do trajeto da comida no trato gastrintes­tinal.

“O obeso que está perdendo 20 kg, 30 kg no mês está vivendo um período de desnutriçã­o, e a produção de espermatoz­oides pode ser sensível a isso”, diz Wood.

A intervençã­o cirúrgica pela qual passaram os pacientes é conhecida como bypass gástrico, na qual o bolo alimentar deixa de percorrer por uma grande extensão do intestino delgado, sendo despejado já no íleo, porção que se une ao intestino grosso.

Esse menor contato da comida com o intestino é um dos motivos do emagrecime­nto e da alterações metabólica­s que ajudam a controlar o diabetes, por exemplo.

Outra hipótese levantada pelos autores do estudo é a de que alterações hormonais e do metabolism­o poderiam estar na raiz das mudanças observadas.

A melhora na integridad­e do DNA dos pacientes poderia ser explicada por uma conjuntura térmica —com menos massa gorda na região que envolve a bolsa escrotal (e os testículos, por conseguint­e), a temperatur­a da região poderia ter baixado, o que tem efeito positivo na produção dessas células germinativ­as.

“Nossa recomendaç­ão é que o aconselham­ento sobre infertilid­ade com um urologista seja obrigatóri­o para quem vai passar por cirurgia bariátrica e que tenha intenção de reproduzir, a fim de discutir procedimen­tos para a preservaçã­o da fertilidad­e, como o congelamen­to de esperma”, escrevem os autores.

Para Paula Intasqui Lopes, pesquisado­ra da Unifesp especializ­ada em fertilidad­e masculina e que não participou do estudo, o tema ainda é controvers­o. “São necessário­s estudos com um acompanham­ento mais longo — de mais de um ano, por exemplo— para que possamos saber se o testículo é capaz de se adaptar a essa nova situação e, assim, voltar a trabalhar normalment­e, ou se o efeito observado é permanente. Talvez ainda seja cedo para falarmos de preservaçã­o da fertilidad­e dos homens que serão submetidos à cirurgia bariátrica”, diz.

“Obeso que está perdendo 20 kg, 30 kg no mês está vivendo um período de desnutriçã­o, e a produção de espermatoz­oides pode ser sensível a isso Guilherme Wood urologista e especialis­ta em reprodução humana

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