Folha de S.Paulo

Como aprendemos

Pedra de Roseta abriu caminho para o conhecimen­to da escrita hieroglífi­ca

- Marcelo Viana Matemático e diretor-geral do Impa. Ganhador do prêmio francês Louis D

Em 1798 o jovem e ambicioso general francês Napoleão Bonaparte atravessa o Mediterrân­eo com seus exércitos, a caminho da cidade de Alexandria. Apesar dos êxitos iniciais, a expedição é um fracasso militar. Derrotado pela coalizão de britânicos e otomanos, Napoleão regressa às escondidas à França, largando os soldados para voltarem como pudessem.

Mas em outro nível a campanha do Egito constituiu um enorme sucesso. O futuro imperador fez-se acompanhar por grande número dos melhores cientistas do seu tempo, cujas descoberta­s tiveram impacto profundo na ciência e tecnologia da Europa.

A descoberta mais famosa foi, sem dúvida, a da chamada Pedra de Roseta, fragmento de estela granítica encontrado em 1799 por um oficial francês, próximo à cidade de Roseta. Nela estavam gravadas três versões de um mesmo texto, um decreto promulgado em 196 a.C. pelo faraó Ptolomeu V: uma versão em grego e duas em egípcio, nas escritas demótica e hieroglífi­ca.

Era o primeiro exemplo conhecido de texto egípcio multilíngu­e e atraiu enorme interesse. Cópias em pedra e moldes em gesso foram rapidament­e produzidos e circulados. Quando os franceses assinaram o ato de rendição, em 1801, uma das condições impostas pelos britânicos foi a entrega da Pedra de Roseta, que foi levada para Londres. Lá se encontra até hoje, no British Museum, apesar dos pedidos das autoridade­s egípcias para que seja devolvida à origem.

O conhecimen­to da escrita hieroglífi­ca do antigo Egito foi perdido no início da nossa era, e à época da campanha napoleônic­a constituía um dos mais intrigante­s mistérios científico­s. Como o grego antigo era bem conhecido dos especialis­tas, a Pedra de Roseta forneceu a chave para resolver o mistério. Isso foi finalmente alcançado em 1822, quando o filologist­a francês Jean-François Champollio­n publicou as traduções das duas versões egípcias do texto.

Até então se acreditava que todo hieroglifo seria um ideograma, ou seja um símbolo representa­ndo, por si só, um objeto ou uma ideia. Mas o estudo da Pedra de Roseta mostrou que os egípcios também usavam símbolos fonéticos, como as nossas letras.

No entanto, embora este seja o exemplo mais famoso de decifração de uma escrita antiga, o egípcio hieroglífi­co não foi nem o mais difícil, nem o mais espetacula­r. Não perca a continuaçã­o.

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