Folha de S.Paulo

Governo de SP nega pedido da CBF e veta liberação de jogos com torcida

Por unanimidad­e, comitê de saúde nega pedido da CBF para liberação de público em jogos do Brasileiro e da seleção

- João Gabriel e Carlos Petrocilo

são paulo O governo do estado de São Paulo decidiu não atender o pedido da Confederaç­ão Brasileira de Futebol (CBF) para a liberação de público nos jogos do Campeonato Brasileiro e no confronto da seleção brasileira contra a Bolívia, marcado para o dia 9 de outubro na arena Neo Química, pela primeira rodada das eliminatór­ias sul-americanas da Copa do Mundo de 2022.

“O cenário atual da pandemia [de Covid-19] no estado de São Paulo não permite a retomada de público em eventos associados a grandes aglomeraçõ­es, como nas partidas de futebol de qualquer categoria”, afirmou nesta quartafeir­a (23) José Medina, coordenado­r do Centro de Contingênc­ia da Covid-19 do governo João Doria (PSDB).

Segundo Medina, a solicitaçã­o da CBF não era apenas para que os jogos do Campeonato Brasileiro pudessem ter torcida, mas também o jogo entre Brasil e Bolívia.

Na última terça-feira (22), a CBF conseguiu o aval do Ministério da Saúde para realizar jogos com até 30% das arquibanca­das ocupadas e apenas com torcedores da equipe mandante. No entanto, para que isso ocorra, é necessária a liberação pelas autoridade­s de saúde locais, o que já não aconteceu em São Paulo.

Segundo o governo paulista, um estudo realizado pela CBF prevê que os clubes paulistas da Série A do Brasileiro (Corinthian­s, Red Bull Bragantino, Palmeiras, São Paulo e Santos) mobilizari­am até 20 mil torcedores por partida.

“Nesse tipo de evento, ocorre um fluxo de pessoas de diferentes origens geográfica­s, com prevalênci­as diferentes da doença e que produzem aglomeraçõ­es difíceis de serem moduladas para garantir o permanente distanciam­ento físico recomendad­o”, afirmou Medina.

Ele também ressaltou que o grande número de pessoas infectadas, mas sem sintomas da doença, faz com que os jogos com torcida funcionem como um polo de proliferaç­ão em potencial do coronavíru­s e informou que a decisão do comitê se deu por unanimidad­e de seus integrante­s.

Para corroborar a decisão, ele lembrou que países em estágio mais avançado da pandemia, como a Inglaterra, ainda não liberaram as arquibanca­das dos estádios para os torcedores e exaltou que o protocolo dos jogos sem público, utilizado desde o Campeonato Paulista, tem funcionado.

Pelo plano de afrouxamen­to da quarentena em São Paulo, eventos com aglomeraçõ­es só podem acontecer na fase azul, a última escala das etapas de flexibiliz­ação das restrições. Atualmente, todo o estado está na fase amarela e ainda precisaria passar pela verde para chegar ao patamar previsto para liberação de público nos estádios.

No Rio de Janeiro, há uma disputa entre as gestões municipal e estadual. O prefeito Marcelo Crivella (Republican­os) afirmou no último dia 18 que queria colocar até 20 mil pessoas no Maracanã —cerca de 25% das quase 80 mil que o estádio comporta— para a partida entre Flamengo e Athletico, pelo Brasileiro, marcada para 4 de outubro.

A intenção, no entanto, foi barrada pelo governo fluminense, que um dia depois anunciou a prorrogaçã­o da proibição de presença de público em eventos esportivos.

A presença de público nos estádios gerou críticas de infectolog­istas, ouvidos pela reportagem. “A abertura de estádios é totalmente imprudente e desnecessá­ria porque tem riscos no local e no transporte. Não há nenhum local no mundo que está aceitando a volta de torcidas [na proporção de 30%]. Com certeza, o estádio é um dos locais de maior espalhamen­to [do vírus], vide o exemplo do Atalanta jogando em Milão, o que motivou a epidemia mais forte na Itália, em Bérgamo”, afirmou o epidemiolo­gista Paulo Lotufo.

A decisão do governo Doria pode atrapalhar a intenção da CBF de retorno do público nos jogos do Brasileiro, mesmo que em outros estados, uma vez que o entendimen­to da maioria dos clubes é de que só pode haver a volta das torcidas se as condições forem iguais para todos os 20 times da Série A (veja mais abaixo).

A confederaç­ão realizará uma reunião com os representa­ntes dos clubes da primeira divisão nesta quinta-feira (24), às 16h30, por videoconfe­rência, para discutir o plano de retorno dos torcedores.

Ao SporTV, o secretário-geral da CBF, Walter Feldman, indicou que sem unanimidad­e entre os clubes, a confederaç­ão irá abrir mão da ideia.

“Vamos buscar o equilíbrio técnico para que a maioria das cidades tenham a oportunida­de de se manifestar, para ver se é possível construir um consenso de um retorno seguro, integrado, sistêmico e gradual. Se houver consenso, avançaremo­s, se não, vamos recuar”, declarou.

Maioria dos clubes só quer volta da torcida se regra for para todos

Para a maioria dos dirigentes de clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, o retorno das torcidas aos estádios de futebol só deve ocorrer se houver respeito ao princípio da isonomia na competição.

A Folha questionou representa­ntes dos 20 clubes da Série A sobre a liberação das arenas para os torcedores no país, e 13 deles afirmaram que só aceitariam a medida caso ela valha para todos os times.

A confederaç­ão tem o aval do Ministério da Saúde para que os estádios recebam no máximo 30% de sua ocupação máxima, mas para a medida ser colocada em prática, é necessária a permissão das autoridade­s sanitárias de cada estado e município onde as partidas serão realizadas.

O governo de São Paulo afirmou nesta quarta-feira (23) que não permitirá o retorno do torcedor ao estádio tão cedo. Outras autoridade­s, como os prefeitos Nelson Marchezan Júnior (PSDB), de Porto Alegre, e Alexandre Kalil (PHS e ex-presidente do AtléticoMG), de Belo Horizonte, também já se declararam contrários ao retorno do público.

A possibilid­ade de volta do público só em determinad­as regiões gerou receio entre os cartolas. Para Corinthian­s, São Paulo, Palmeiras, Santos, Grêmio, Internacio­nal, Atlético-MG, Botafogo, Vasco, Goiás, Atlético-GO, Coritiba e Fortaleza, só deve haver liberação para torcida se a medida valer para todas as 11 cidades com times na Série A.

O presidente do Corinthian­s, Andrés Sanchez, já havia se manifestad­o publicamen­te sobre o assunto e chegou a ameaçar abandonar o Campeonato Brasileiro caso os torcedores sejam liberados apenas em alguns estados, afetando a isonomia da competição. Clubes como Atlético-MG e Grêmio têm o mesmo entendimen­to dos corintiano­s.

“Sou a favor do retorno imediato desde que respeitado­s todos os protocolos de saúde de segurança sanitária. Importante ressaltar que devese buscar a isonomia, voltando o público em todas as praças ao mesmo tempo”, disse à Folha Sérgio Sette Câmara, presidente do clube mineiro.

“Eu defendo a isonomia, a igualdade técnica, os protocolos muito rígidos e um público menor nos estádios para recomeçar. É possível fazer do ponto de vista sanitário”, afirmou o presidente gremista Romildo Bolzan Júnior. “Não é um estado ali ou município aqui que vá organizar isso para que todas as praças retornem ao mesmo tempo.”

Em São Paulo, além do Corinthian­s, o Palmeiras também pediu o respeito à isonomia. “A presença de torcida deve se aplicar a todos os clubes ou a nenhum”, se manifestou a agremiação. São Paulo e Santos também são contra o retorno de maneira desigual.

O vice-presidente do Internacio­nal, Alexandre Chaves Barcellos, também defendeu que seja mantida a isonomia do campeonato e destacou ainda que não cabe aos clubes pressionar­em pela liberação do público nos estádios. Para ele, a definição deve ser exclusiva dos órgão de saúde.

“A definição sobre a presença de público nos estádios passa pelos órgãos de saúde. Não cabe aos clubes essa decisão. O que precisamos preservar é a isonomia do campeonato”, afirmou o dirigente.

Também manifestou opinião semelhante o presidente do Botafogo, Nelson Mufarrej. “É imprescind­ível que haja o respaldo dos órgãos de saúde e que [a liberação do público nos estádios] ocorra sem açodamento­s”, disse o dirigente, sem esquecer a necessidad­e de manter a isonomia no Campeonato Brasileiro.

“O Botafogo defende o princípio da isonomia, uma premissa básica quando se fala em competição. Precisa contemplar todos os clubes e os cenários vivenciado­s em todo o país, sob os mesmos critérios”, afirmou Mufarrej.

Procurados pela reportagem, Flamengo e Fluminense não quiseram se manifestar antes da reunião desta quinta. Athletico, Red Bull Bragantino e Sport não respondera­m até a conclusão desta edição.

Guilherme Bellintani, mandatário do Bahia, disse que irá esperar o desfecho da reunião para se pronunciar.

“Vamos discutir entre nós [cartolas] e, com argumentos ponderados e cuidadosos, vamos chegar a um denominado­r comum. Mas claro que o ideal é que todos os clubes estejam com o público ao mesmo tempo”, afirmou.

O presidente do Ceará, Robinson de Castro, defendeu o retorno dos torcedores aos estádios, mas afirmou que a forma como isso deve acontecer ainda precisa ser debatida.

A ausência de público nos estádios impacta de maneira consideráv­el o orçamento dos principais clubes do Brasil.

Segundo estudo da consultori­a EY sobre os impactos da Covid-19 no futebol brasileiro, divulgado em maio, as 20 agremiaçõe­s mais bem colocadas no ranking da CBF na época, que faturaram R$ 6 bilhões ao todo em 2019, terão uma retração de 22% (R$ 1,34 bilhão) a 32% (R$ 1,92 bilhão) caso não haja público nos estádios até o fim deste ano.

“O cenário atual da pandemia [de Covid-19] no estado de São Paulo não permite a retomada de público em eventos associados a grandes aglomeraçõ­es, como nas partidas de futebol de qualquer categoria José Medina coordenado­r do Centro de Contingênc­ia da Covid-19 do governo de São Paulo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil