Cientistas se opõem a mudança em Guia Alimentar
Grupo internacional afirma que documento do Ministério da Agricultura demonstra desconhecimento científico
Trinta e três cientistas de diversos países assinaram uma carta a Tereza Cristina (Agricultura) para rechaçar nota técnica do ministério que alterou o Guia Alimentar para a População Brasileira de modo a melhorar a imagem dos ultraprocessados.
são paulo Trinta e três cientistas de países como EUA, Canadá, Austrália, Reino Unido, México, Chile e África do Sul assinam uma carta endereçada à ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para rechaçar uma nota técnica do ministério que teve como objetivo alterar do Guia Alimentar para a População Brasileira, de modo a melhorar a imagem dos chamados alimentos ultraprocessados. A missiva, à qual a Folha teve acesso, foi enviada nesta quarta (23).
O documento do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), que veio a público na última semana, afirmava que “o guia brasileiro é considerado um dos piores [e] a recomendação mais forte nesse momento é a imediata retirada das menções a classificação Nova no atual guia alimentar.”
A classificação Nova, criada por pesquisadores brasileiros, agrupa alimentos de acordo com o nível de processamento: in natura, minimamente processados, ingredientes culinários, processados e ultraprocessados, sendo os últimos aqueles mais associados a riscos na saúde, de acordo com dezenas de publicações científicas.
Entre os ultraprocessados estão refrigerantes, biscoitos doces e salgados, salgadinhos de pacote, cereais matinais com açúcar, produtos com carne restituída, pratos prontos para comer que só precisam ser aquecidos.
Na carta, organizada por Barry Popkin, professor de nutrição da Universidade da Carolina do Norte em Chapel HIll (EUA), ele e os demais acadêmicos dizem que a argumentação da nota técnica denota falta de conhecimento científico de quem a redigiu e que as críticas ao guia são injustificadas.
“Quanto menos [ultraprocessados] forem consumidos, melhor. É difícil entender por que a nota não menciona o rápido crescimento do consumo de alimentos ultraprocessados em todo o Brasil e na maior parte dos países ou o impacto negativo deles na saúde”, escrevem.
Em entrevista por email, Popkin afirma que uma motivação para organizar essa resposta é o programa de alimentação escolar brasileiro.
“Ao tentar desqualificar as diretrizes, [o Mapa] está tentando desfazer uma mudança brilhante na alimentação escolar. Seria criminoso e antiético usar falsa ciência e mentiras para tentar desacreditar essas importantíssimas diretrizes, o que ameaçaria a saúde de crianças brasileiras em idade escolar e seu futuro.”
“Esse foi o primeiro guia a lidar diretamente com a importante questão dos alimentos ultraprocessados. Temos pesquisas volumosas, desde um brilhante ensaio clínico controlado do NIH até 30 estudos de coortes muito bem feitos em todo o mundo que mostram que alimentos ultraprocessados têm um impacto muito grande no ganho de peso excessivo e aumento do risco de diabetes, hipertensão e doenças do coração”, conta Popkin.
Os signatários relembram que países como França, Israel, Canadá, México, Chile e Uruguai adotam a classificação Nova como ferramenta para educar a população a fazer boas escolhas e para políticas públicas de saúde.
“A associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e sobrepeso e obesidade, diabetes, hipertensão, dislipidemias [colesterol alto], doenças cardiovasculares, AVCs, câncer de mama, depressão, fragilidade em idosos e mortalidade em geral foi demonstrada em estudos longitudinais cuidadosos conduzidos em grandes amostras de indivíduos em diferentes países, incluindo EUA, Reino Unido, Espanha e França, além do Brasil”, escrevem os cientistas, que também enfatizam que agências da ONU referendam o guia brasileiro.
Para a indústria de alimentos, que seria a maior beneficiada por uma eventual alteração nos termos solicitados, “[a classificação Nova] é mal definida, utiliza suposições e termos amplos que trazem inconsistência, confusão e incerteza aos consumidores e sem nenhuma consideração objetiva do perfil nutricional”.
Segundo a associação, o guia não considera o valor nutricional absoluto de alimentos e bebidas, nem a densidade de nutrientes neles presentes.
“Descobri, após décadas de trabalho com vários países e com a indústria que não é possível trabalhar junto com ela [com a meta de construir diretrizes]. Ela faz promessas de se autorregular, mas, nas centenas de vezes que essas promessas foram avaliadas, elas nunca funcionaram. E eles lutam contra as regulamentações, mesmo quando isso não os prejudica em termos de venda ou empregos, já que poderiam fabricar e vender produtos mais saudáveis”, afirma Popkin.
Questionado sobre a possibilidade de alteração do Guia Alimentar, o Ministério da Saúde, por meio de sua assessoria, respondeu que recebeu e que agora analisa as considerações do Mapa. O ministério não respondeu se considera que o papel do guia vem sendo adequadamente cumprido.
Por sua vez, o Mapa afirma que não fez solicitação de alteração do Guia Alimentar e que o assunto é debatido internamente.
“Ao tentar desqualificar as diretrizes, [o Mapa] está tentando desfazer uma mudança brilhante na alimentação escolar. Seria criminoso e antiético usar falsa ciência e mentiras para tentar desacreditar essas diretrizes Barry Popkin professor da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill