Folha de S.Paulo

O deboche de Flávio

Senador afronta procurador­es ao faltar a acareação e viajar para participar de programa de auditório

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Acerca de investigaç­ões sobre filho de Bolsonaro.

Nos termos do artigo 221 do Código de Processo Penal, senadores fazem parte do panteão de autoridade­s com a prerrogati­va de marcar data e local para depoimento quando precisam ser ouvidos na condição de testemunha num inquérito.

A legislação não é explícita, porém, quando se trata de uma acareação. Ela equivale a uma simples oitiva de testemunha, ou, pela complexida­de envolvida no procedimen­to, tem estatuto diferencia­do?

Para o procurador Eduardo Benones, do Ministério Público Federal, o senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ) cometeu crime de desobediên­cia ao faltar, sem justificat­iva, a uma acareação com o empresário Paulo Marinho, marcada para ocorrer na segunda (21).

Para a defesa de Flávio, ele apenas exerceu sua prerrogati­va como senador, e a ordem para que compareces­se jamais teve valor legal.

A acareação se daria no âmbito de uma investigaç­ão sobre o vazamento de informaçõe­s sigilosas da Polícia Federal, iniciada depois que Marinho revelou, em entrevista à Folha, ter ouvido do próprio Flávio que um delegado lhe antecipara a realização de uma operação que poderia atingi-lo.

Marinho foi um aliado de primeira hora dos Bolsonaros, mas rompeu com o clã. Herança dos tempos de bom relacionam­ento, ele é primeiro suplente de Flávio no Senado.

No plano político, sua ausência foi interpreta­da como uma fuga da investigaç­ão embaraçosa. Não bastasse isso, o senador imprimiu um tom de deboche ao episódio.

No dia marcado para a acareação, viajou para Manaus, onde participou de um programa de auditório no qual cantou e dançou músicas ironizando o uso de maconha e brincou com um jargão usado pela bandidagem das milícias para designar quem foi morto pela polícia.

Flávio segue assim o que parece uma estratégia recorrente da família, de enaltecer grupos e instituiçõ­es quando acedem a seus desejos e tentar desmoraliz­á-los quando colocam obstáculos a seus planos.

O primogênit­o do presidente Jair Bolsonaro talvez não precise se preocupar com a acusação de crime de desobediên­cia. Como é senador, só terá problemas se o procurador­geral da República, Augusto Aras, aliado do pai, resolver criá-los.

Mais inquietant­e é o inquérito sobre o esquema das rachadinha­s, que apura desvios de verbas da Assembleia Legislativ­a do Rio na época em que Flávio era deputado estadual. Nesse caso, parece cada vez mais difícil deter os investigad­ores.

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