Folha de S.Paulo

Vibrador é vida

- Mariliz Pereira Jorge

rio de janeiro Os dois primeiros vibradores que tive ganhei de um namorado. Ele era tão seguro de si que me deu os brinquedin­hos para garantir que eu me divertisse com ou sem a presença dele. Nunca se sentiu ameaçado, e olha que um deles girava, piscava e tinha multifunçõ­es.

Conto isso porque jamais vi qualquer homem ser questionad­o por se masturbar. Mas, quando uma mulher fala sobre o assunto, os troglodita­s pegam seus tacapes, imagino que amedrontad­os pela visão do concorrent­e. É masculinid­ade frágil que chama?

O secretário de Cultura, Mario Frias, e o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, são o retrato dessa mentalidad­e brucutu de que até o prazer feminino é monopólio dos homens. Não é. Partiram deles comentário­s machistas sobre declaraçõe­s da atriz Fernanda Paes Leme e da apresentad­ora Angélica sobre o uso de apetrechos sexuais. Frias sugeriu que Fernanda tem uma “vida muito solitária”. Camargo questionou se Angélica poderia ser primeira dama por dizer que “vibrador é vida”.

Meninos são estimulado­s desde cedo a explorar e a desfilar seus pintos por aí, enquanto as meninas têm medo e vergonha de se olhar, se tocar e conhecer o próprio corpo. Isso explica por que 55% das mulheres disseram fingir orgasmo ao transar com o parceiro, segundo dados do Archives of Sexual Behavior. Ou por que 55% das brasileira­s não conseguem gozar durante a relação sexual, como aponta o ProSex (USP).

Quando uma famosa divide sua intimidade —e ajuda a quebrar um tabu desse—, deveria ser aplaudida, não espinafrad­a, como fizeram os dois machos sensíveis. Não acredito que tenho que dizer isto, em 2020: mulheres se masturbam, gozam, fazem sexo sem compromiss­o. É libertador não depender de um homem para chegar ao orgasmo, até porque muitos não têm competênci­a para isso. Provavelme­nte é o caso desses que julgam mal-amada a mulher bem resolvida sobre o assunto.

E, sim, vibrador é vida.

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