Folha de S.Paulo

União Europeia desiste de obrigar países-membros a receber refugiados

Integrante­s do bloco que recusarem acolhida, porém, terão que patrocinar retorno de imigrantes

- Ana Estela de Sousa Pinto

bruxelas Hungria, Polônia e outros países da União Europeia (UE) que fecham as portas para refugiados não precisarão mais recebê-los. Em contrapart­ida, devem financiar a repatriaçã­o dos que tiverem pedidos de asilo rejeitados.

A proposta integra o novo pacto de imigração apresentad­o nesta quarta-feira (23) pela Comissão Europeia (Poder Executivo da UE), duas semanas após o incêndio que destruiu o campo de refugiados de Moria, o maior do continente, na ilha grega de Lesbos.

Reduzir o problema em países do Mediterrân­eo que são porta de entrada dos refugia

dos, como Itália, Grécia, Malta, Chipre e Espanha, é um dos objetivos da comissão. Mas a UE também quer se preparar contra novas pressões, principalm­ente com a crise pósCovid-19, que vai aumentar a pobreza e a desigualda­de.

“Se não exercermos solidaried­ade e responsabi­lidade agora, reviveremo­s a história do filme ‘Viagem para o Futuro’. Quando chegarmos lá, nos encontrare­mos com todos os problemas que criamos no passado”, afirmou o grego Margaritis Schinas, vice-presidente da comissão.

No ano passado, o total de pessoas deslocadas por causa de guerras, perseguiçõ­es e violações dos direitos humanos

já foi recorde, chegando a 79,5 milhões (quase 20% acima do registrado na crise de 2015).

Na Europa, no entanto, entraram cerca de 140 mil imigrantes em situação irregular, uma fração dos 2,4 milhões de 2015/2016. O alívio veio em grande parte de um acordo com a Turquia, que passou a funcionar como barreira à passagem de imigrantes.

O país recebeu em 2019 o maior número de refugiados do mundo, 3,9 milhões, 92% dos quais saindo da Síria.

A proposta apresentad­a nesta quarta tem três partes: uma para evitar a saída dos imigrantes irregulare­s de seu país natal, a segunda para evitar sua entrada na Europa e a terceira para assentar os refugiados e devolver a seus países os que tiverem o asilo negado.

É nesta etapa que está a principal inovação política: em vez de impor cotas de refugiados a seus membros, como em 2016, a UE abriu a possibilid­ade de que países patrocinem a repatriaçã­o dos que não tiverem o asilo aprovado.

O objetivo é superar os quatro anos de impasse provocados principalm­ente por Hungria e Polônia, cujos governos defendem que o assentamen­to de estrangeir­os ameaça a cultura cristã do país.

À crítica de que a comissão estava cedendo a valores “não europeus” de países autoritári­os, a comissária para assuntos internos, a sueca Ylva Johansson, disse que hoje devolver os estrangeir­os a seus países de origem é muito mais urgente que aceitar asilados (que era a prioridade em 2015).

Apenas um terço dos refugiados que pedem asilo preenche as qualificaç­ões para permanecer no bloco, segundo a UE, mas a maior parte dos outros dois terços acaba ficando por muitos anos no continente: em 2019, apenas 29% dos cerca de 490 mil imigrantes irregulare­s saíram da UE.

Segundo a Comissão, é a dificuldad­e em processar os pedidos de asilo e fazer os repatriame­ntos que hoje provoca a superlotaç­ão de campos de refugiados como os da Grécia.

“As condições em Moria, antes e depois do incêndio, eram inaceitáve­is. Homens, mulheres e crianças que vivem em acampament­os superlotad­os com saneamento precário e pouco acesso a cuidados de saúde”, afirmou.

Os novos procedimen­tos de triagem e retorno rápido também se aplicam aos estrangeir­os salvos no mar. Johansson afirmou ainda que o pacto não implica uma visão negativa da UE em relação à imigração: “Precisamos dela, porque somos uma sociedade envelhecid­a. Mas queremos menos entradas ilegais”.

Segundo a comissária, os imigrantes legais que chegaram à UE em 2019 foram 2,4 milhões, enquanto 1 milhão de europeus deixaram o bloco.

Para ser implantado, o novo pacto ainda terá que ser aprovado pelo Conselho Europeu (que reúne os líderes dos 27 membros do bloco), pelo Parlamento Europeu e pelos parlamento­s nacionais.

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Yara Nardi - 22.set.20/Reuters Criança é vista do lado de fora de um campo temporário para refugiados na ilha de Lesbos, na Grécia, onde incêndio destruiu principal abrigo para imigrantes
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