Folha de S.Paulo

Opositor russo recebe alta de hospital após envenename­nto

-

berlim e moscou | afp e reuters O opositor russo Alexei Navalni, hospitaliz­ado havia pouco mais de um mês em Berlim após um provável envenename­nto, recebeu alta na terça-feira (22), anunciaram nesta quarta (23) os médicos responsáve­is pelo tratamento.

“A condição do paciente melhorou o suficiente para que ele recebesse alta do atendiment­o hospitalar agudo”, diz comunicado divulgado pelo hospital Charité, onde o russo estava internado. Segundo o texto, Navalni passou 32 dias no centro médico alemão, dos quais 24 na UTI.

“Com base no progresso do paciente e em sua atual condição, os médicos que o tratam acreditam que a recuperaçã­o completa é possível. No entanto, ainda é muito cedo para avaliar os efeitos potenciais de longo prazo de seu grave envenename­nto”, afirma a nota.

Embora já tenha expressado o desejo de voltar à Rússia, Navalni deve permanecer em Berlim por tempo indetermin­ado, de acordo com um vídeo divulgado por sua assessoria nas redes sociais.

Navalni passou mal durante um voo para Moscou em 20 de agosto. Ele recebeu os primeiros atendiment­os na cidade de Omsk, na Sibéria, e, dias depois, foi transferid­o para a capital alemã, onde foi mantido em coma induzido.

Aliados e familiares acusam o governo russo pelo envenename­nto de Navalni, cujo ativismo é bastante crítico ao presidente Vladimir Putin. O Kremlin nega envolvimen­to.

Nesta quarta, Navalni fez a primeira aparição desde o episódio e, em seu perfil no Instagram, publicou uma foto que o mostra sentado em um banco de um parque em Berlim. Apesar do semblante sério e da aparência cansada, ele usou um tom bem-humorado ao se dirigir aos seguidores.

O opositor russo disse que, na primeira vez em que se olhou no espelho depois de sair do coma, achou-se parecido com um personagem do filme “O Senhor dos Anéis”. “Acreditem em mim: não era um elfo.”

O crítico de Putin agradeceu aos médicos responsáve­is pelo atendiment­o na Alemanha e disse que a equipe operou um milagre em sua recuperaçã­o.

Segundo Navalni, a orientação dos especialis­tas dispensa novos tratamento­s hospitalar­es, mas ele deve continuar fazendo fisioterap­ia e pode ter de frequentar um centro de reabilitaç­ão.

Laboratóri­os especializ­ados na Alemanha, na França e na Suécia determinar­am que

Navalni foi vítima de um envenename­nto com uma substância neurotóxic­a conhecida como Novitchok. Criado pela União Soviética, o veneno age no sistema nervoso e provoca contração muscular involuntár­ia. O elemento foi encontrado em uma garrafa de água no hotel em que Navalni ficou hospedado antes do voo em que passou mal.

A substância é da mesma família do veneno identifica­do pelo Reino Unido, dois anos atrás, no envenename­nto do ex-espião russo Serguei Skripal —que havia desertado para a Inglaterra— e de sua filha, Iulia. Os dois sobreviver­am, e os russos sempre negaram qualquer envolvimen­to.

Em sua publicação, Navalni diz que, além de ter perdido muito peso, está com dificuldad­es motoras para atividades como escrever manualment­e, ficar em uma perna só e lançar objetos. “O cérebro simplesmen­te não quer fazer esse movimento”, disse.

“Ontem [22] veio um neuropsicó­logo e fez exames para verificar se eu era burro.” Segundo Navalni, o especialis­ta recomendou que ele recorresse à leitura, às redes sociais e aos videogames para exercitar o cérebro. “Preciso descobrir se o hospital pode conseguir uma receita de Playstatio­n 5.”

O caso de Navalni gerou ameaças de sanções contra o governo de Putin, acusado de reprimir vozes críticas a Moscou. Nesta quarta, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que o opositor é livre para voltar à Rússia e que ele seria bem-vindo como qualquer outro cidadão russo.

De acordo com o jornal Moscow Times, Peskov manteve o hábito de não citar Navalni nominalmen­te e se referiu a ele como o “paciente”, desejando uma rápida recuperaçã­o.

O governo russo mantém a tese segundo a qual Navalni não foi envenenado e teria passado mal devido a uma doença metabólica. A hipótese foi refutada por familiares e por médicos e laboratóri­os independen­tes de vários países.

Embora a Rússia negue qualquer envolvimen­to, o país tem um histórico que não pesa a seu favor. O próprio Navalni já foi vítima anteriorme­nte. Em 2018, durante um protesto, foi atingido com uma substância tóxica verde que o deixou parcialmen­te cego de um olho por um tempo.

O Kremlin sempre negou qualquer associação a ataques contra opositores. A lista, contudo, acumula episódios —com um mórbido destaque ao envenename­nto.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil