Folha de S.Paulo

Oferta de trabalho recua até 36% enquanto procura por vaga cresce

Levantamen­to em sites e classifica­dos aponta retração nas seleções abertas; informalid­ade sobe

- Fernanda Brigatti e Diego Garcia

são paulo e rio de janeiro A volta de mais de 1 milhão de desemprega­dos à procura de um trabalho após o período de distanciam­ento social coincide com um período de redução nas vagas ofertadas, o que deve contribuir para manter em alta os níveis de desocupaçã­o no país, apesar dos novos postos que foram criados em agosto.

A oferta de novas vagas em sites e agregadore­s de classifica­dos de empregos caiu entre 12% e 36% neste ano na comparação com os primeiros oito meses do ano passado.

Levantamen­to feito pela Folha em empresas como LinkedIn, Infojobs, Banco Nacional de Empregos e Indeed, além do CATe (Centro de Apoio ao Trabalho e Empreended­orismo), ligado à Prefeitura de São Paulo, mostra um encolhimen­to nas novas seleções para postos de trabalho.

Em abril e maio, o CATe registrou queda de 70% nas seleções abertas —de 10.715, em 2019, para 3.341, em 2020. No acumulado dos oito primeiros meses, a redução é de 35%, ao mesmo tempo que o número de inscritos para as seleções subiu 18%.

No Banco Nacional de Empregos, enquanto as buscas subiram 18%, os anúncios caíram 33%.

A falta de novas vagas é acompanhad­a pelo aumento no número de pessoas sem trabalho, seja ele formal ou informal. De maio a agosto, a desocupaçã­o subiu 27%, passando de 10,1 milhões para 12,9 milhões, segundo a Pnad Covid, pesquisa semanal do IBGE que monitora os efeitos da pandemia sobre o emprego.

O mês marcou também o cresciment­o da força de trabalho, ou seja, do número de pessoas que não têm ocupação ou que gostaria de ter. O avanço é pequeno, de 1,4%, mas indica que mais gente voltou a procurar trabalho.

O encolhimen­to da força de trabalho ajudou a segurar a taxa de desemprego durante a pandemia. Com menos gente buscando vaga, a desocupaçã­o não cresceu tanto. Mas isso também começa a mudar.

Só na última semana de agosto, 1,1 milhão de pessoas passaram a buscar trabalho, de acordo com o IBGE.

Segundo o Banco Nacional de Empregos, a procura por seleções subir 63% entre julho e setembro ante o período até junho. Para Marcelo de Abreu, presidente do BNE, o segundo semestre será “corrida contra o tempo para a recuperaçã­o financeira dos efeitos causados pela pandemia”.

A secretária-adjunta de Desenvolvi­mento Econômico e Trabalho da capital, Ana Carolina Lafemina, diz que a melhora na demanda por trabalhado­res ainda é sutil nos postos do CATe, onde setores como saúde e telemarket­ing são os que ainda abrem vagas.

No Infojobs, apesar da queda, o número de vagas vem subindo desde junho em relação ao mês anterior. No LinkedIn, onde os postos são mais qualificad­os, as funções com mais vagas são ligadas a tecnologia, como engenharia e arquitetur­a de software e desenvolve­dor de sistemas de interação.

Em agosto, o número de pessoas ocupadas subiu pela primeira vez na Pnad Covid —eram 82,1 milhões de brasileiro­s com algum trabalho, 700 mil a mais que em julho.

O diretor-adjunto de pesquisas do IBGE, Cimar Azeredo, afirma que o resultado está ligado ao desempenho do setor informal, mais frágil em crise como a atual, mas também com retomada mais rápida.

“Quando se perde a carteira de trabalho assinada, a dificuldad­e histórica de recompor é maior”, afirma.

Na pandemia, o setor informal foi duramente afetado pelas políticas de distanciam­ento social. O fechamento das empresas e do comércio atingiu a renda de ambulantes, vendedores de praia e outros que trabalham por conta própria nas ruas.

“Com a reabertura do mercado, essas pessoas voltam a trabalhar. Essa parcela expressiva dessa população voltando a trabalhar é a informalid­ade crescendo”, disse o diretor-adjunto do IBGE.

Segundo a Pnad Covid de agosto, 27,9 milhões de trabalhado­res estavam na informalid­ade. O número representa 33,9% da população ocupada, ante 33,6% em julho.

A informalid­ade foi a saída encontrada pelo metalúrgic­o Graciano Alves de Almeida Neto, 34. Seu último contrato com carteira assinada terminou em maio do ano passado, após ser demitido de um fábrica de peças para automóveis.

Desde então, ele já trabalhou como motorista de lotação, usou aplicativo­s de transporte para fazer corridas em seu carro e atuou em um lavarápido. Há uma semana, encerrava o bico mais recente, como servente de pedreiro.

“Hoje eu busco qualquer coisa mesmo. Já tentei vaga de ajudante-geral e mando currículo para qualquer trabalho. Cheguei a fazer três entrevista­s recentemen­te, mas não consegui”, diz.

Para a economista Ana Beatriz Moraes, do Ibmec, o aumento na taxa de desocupado­s preocupa e reflete um momento de parada brusca na economia pela pandemia.

A retomada, na avaliação dela, só virá pela combinação de flexibiliz­ação do distanciam­ento social com reformas administra­tivas e fiscais. “Sem uma reforma mais ampla do Estado, é impossível prever uma recuperaçã­o”, afirma.

Na avaliação de Otto Nogami, economista do Insper, o processo de retomada não vai ser tão fácil como se imaginava e como vem sendo propagado.

Segundo ele, o setor de serviços, principal motor da atividade econômica e maior empregador do país, responsáve­l por 75% do cálculo do PIB (Produto Interno Bruto), é o mais afetado pela crise, o que impede uma recuperaçã­o rápida.

“A queda brusca nos serviços mostra que as perspectiv­as não são alentadora­s como se diz por aí”, analisou.

O setor recuou 9,7% no segundo trimestre, o primeiro totalmente sob efeito da pandemia do novo coronavíru­s.

 ?? Eduardo Anizelli/Folhapress ?? O desemprega­do Alves de Almeida Neto, que tenta voltar ao mercado após vários trabalhos informais; sua última carteira assinada foi em maio do ano passado
Eduardo Anizelli/Folhapress O desemprega­do Alves de Almeida Neto, que tenta voltar ao mercado após vários trabalhos informais; sua última carteira assinada foi em maio do ano passado
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil