Folha de S.Paulo

Retomada social passa pelo incentivo ao emprego de jovens

- Luciana Antonini Ribeiro Cofundador­a da EB Capital

Quase 30% dos jovens brasileiro­s estão sem emprego. São os nossos “desemprega­dos profission­ais”. O impacto em suas vidas, e na produtivid­ade do país, será de longo prazo. Medidas urgentes de integração desse público ao mercado de trabalho qualificad­o são fundamenta­is para reverter essa triste realidade.

Enquanto o índice de desemprego no Brasil está em 14,3%, com mais de 13,7 milhões de pessoas sem atividade formal, entre os mais jovens, de 18 a 24 anos, a taxa de desocupaçã­o, no segundo semestre deste ano, estava bem acima, em 29,7%, segundo o IBGE.

Sem oportunida­des concretas, jovens de classe média e baixa, muitos em busca do primeiro emprego, se veem obrigados a recorrer a aplicativo­s de entrega ou atividades informais, que praticamen­te não oferecem perspectiv­as de evolução profission­al e social.

É a precarizaç­ão do emprego, que afeta indivíduos e o país, com a perda de milhões de talentos sem qualificaç­ão adequada, e a produtivid­ade nacional. Das lacunas estruturai­s brasileira­s, talvez seja essa a de consequênc­ias mais impactante­s e com efeito em cascata.

Historicam­ente, os jovens que foram em busca do primeiro emprego ao longo das últimas crises brasileira­s são os mais punidos. Foi assim, por exemplo, nos anos 1990, período de impeachmen­t, inflação em alta e tentativas de políticas econômicas para estabiliza­r a economia.

A geração millennial conhece essa história, porque chegava ao mercado nesse período e sentia as dificuldad­es que a geração Z experiment­a agora para começar uma carreira. Entre 1990 e 2002, enquanto a taxa de desemprego na faixa dos 18 a 20 anos cresceu 15%, para quem tinha entre 24 e 59 anos, foi de 4,6%.

O impacto das crises para os mais jovens é um fenômeno mundial. Nos Estados Unidos, depois da recessão de 2008, os millennial­s, por exemplo, foram o grupo que mais sofreu, em termos de renda e de desemprego.

Pesquisa publicada recentemen­te pelo Financial Times também traz que a recuperaçã­o dessa geração foi muito mais lenta. E agora, diante de uma segunda grave crise, em pouco mais de uma década, já se fala da necessidad­e de uma redistribu­ição de renda geracional como política pública básica. Pessoas hoje na faixa dos 40 anos, que deveriam estar no pico de seus rendimento­s, estão muito atrás das gerações anteriores.

O jovem chega ao mercado sem experiênci­a e, no mais das vezes, sem a qualificaç­ão necessária, porque o ensino médio ainda deixa muito a desejar, e a formação não está em sintonia com o que as empresas exigem. Pois esse quadro se agravou bastante com a acelerada digitaliza­ção da economia, durante a Covid-19.

Nesse sentido, tenho conversado com muitos empreended­ores voltados ao setor de educação —alguns focados na economia real, outros voltados ao ambiente mais digital. E há consenso entre operadores, e também investidor­es focados no chamado investimen­to com propósito, de que ampliar investimen­tos em empresas que garantam o acesso à formação técnica e profission­al, inclusive a partir de trilhas do ensino médio, é parte importante da solução para o desemprego jovem. Assim como são os cursos livres, focados em qualificar profission­ais para demandas específica­s.

Além do problema da falta de qualificaç­ão, faltam incentivos para o primeiro emprego. Quem está começando custa tanto quanto um trabalhado­r com experiênci­a e qualificaç­ão. A escolha se torna, assim, injusta. Reduzir o custo de contrataçã­o é uma estratégia possível e recomendad­a pela OCDE aos países em ciclos recessivos e com dificuldad­e para ter jovens no seu quadro de colaborado­res, como o Brasil.

A redução de exigências à contrataçã­o é outra boa alternativ­a, principalm­ente diante da nossa realidade de oportunida­des desiguais. Por isso, fico feliz em ver ações como as do Google, da EDP, da Klabin, da Ambev e do Itaú, que eliminaram a exigência do inglês, e algumas até de curso universitá­rio, para os estágios remunerado­s.

Falamos muito nestes dias da retomada verde —de fundamenta­l relevância para nosso país. Precisamos, no entanto, ampliar as conversas, entre governos e setor privado, sobre como garantir a retomada social, que passa pela reinserção de milhões de brasileiro­s ao mercado e, principalm­ente, focar os jovens e todo o potencial que podem compartilh­ar para a produtivid­ade do nosso país.

Falamos muito da retomada verde, mas precisamos ampliar as conversas, sobre como garantir a retomada social, que passa pela reinserção de milhões de brasileiro­s ao mercado e, principalm­ente, focar os jovens e todo o potencial que podem compartilh­ar para a produtivid­ade do nosso país

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil