Folha de S.Paulo

Com aval de Bolsonaro, Guedes lança ofensiva pública pela nova CPMF

Ministro fala em ‘tributos alternativ­os’ como solução para garantir a desoneraçã­o da folha e liga proposta a programa de renda mínima

- Daniel Carvalho e Fábio Pupo DC

brasília Com aval do presidente Jair Bolsonaro, o governo anunciou nesta quarta-feira (23) uma ofensiva para emplacar a criação de um imposto a ser cobrado amplamente nas operações de pagamento no país. A iniciativa coube ao ministro Paulo Guedes (Economia), ao lado de líderes do governo no Congresso.

Guedes falou na criação de “tributos alternativ­os” —eufemismo que o governo usa para a criação de uma nova CPMF— como solução para garantir a desoneraçã­o da folha de pagamento.

Ele também ligou o imposto ao financiame­nto do novo programa de renda mínima que será criado na PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) do pacto federativo, embora tal instrument­o não garantiria o programa, visto que depende de corte de despesas por causa do teto de gastos.

“Queremos desonerar, queremos ajudar a buscar emprego, facilitar a criação de empregos, então vamos fazer um programa de substituiç­ão tributária”, disse Guedes.

“Temos que desonerar folha, por isso a gente precisa de tributos alternativ­os, para desonerar folha e ajudar a criar empregos e renda a mesma coisa. Vimos a importânci­a do auxílio emergencia­l, como isso ajudou a manter o Brasil respirando e atravessan­do essa onda da crise. Temos que também fazer uma aterrissag­em suave do programa de auxílio emergencia­l”, afirmou o ministro, sem responder a perguntas.

Desde o fim de semana, os líderes partidário­s vinham articuland­o com o Congresso uma proposta de reforma tributária que contenha uma desoneraçã­o ampla das folhas de salários. Guedes planeja compensar a perda de receitas com a criação do novo imposto.

“Queremos criar renda? Sim. Então, vamos ter que fazer”, disse, no Planalto, após reunião com o presidente.

A iniciativa também é peça da negociação com parlamenta­res em torno do veto de Bolsonaro à desoneraçã­o de 17 setores. O governo já dá como certa a derrota, deverá liberar as bancadas para derrubar a medida e, em troca, espera apoio na negociação de uma CPMF para compensar uma desoneraçã­o ampla da folha de pagamentos. A análise está prevista para o dia 30.

Nos bastidores, Guedes também pretende usar a CPMF como moeda de troca para a desoneraçã­o de igrejas (também alvo de veto do presidente).

Segundo Guedes, a proposta será debatida com os líderes e com os presidente­s de Câmara e Senado. “Os textos estão sendo submetidos, vão passar para apreciação dos líderes e vamos encaminhar também para a comissão mista.”

O ministro disse ainda que a proposta do pacto federativo também será encaminhad­a após alinhament­o com líderes partidário­s e Bolsonaro.

A proposta está nas mãos do senador Márcio Bittar (MDBAC), relator do texto, que pretende eliminar pisos de saúde e educação. Guedes apoia a medida e usa como argumento a devolução do Orçamento público às mãos dos políticos.

“O pacto federativo é a devolução do Orçamento público à classe politica, a classe política que decide”, afirmou.

A equipe de Guedes já tinha formulado uma versão inicial do pacto federativo. Em novembro de 2019, o texto foi apresentad­o ao Congresso no Plano Mais Brasil.

“Eram três versões, elas estão sendo consolidad­as agora. E o relator está fazendo um excelente trabalho, submetendo à aprovação do presidente, vendo onde há acordo, onde não há, e isso vai ser encaminhad­o”, disse Guedes.

Relator da PEC do Pacto Federativo, Bittar foi um passo além nos objetivos do texto de desobrigar, desvincula­r e desindexar diferentes despesas.

Seu relatório sobre a PEC está praticamen­te pronto. No fim de semana, em um dos trechos mais importante­s, Bittar elimina o piso de recursos para saúde e educação no país (a proposta do governo apenas somava os dois pisos, permitindo ao governante mover recursos entre uma e outra área).

Hoje, a Constituiç­ão obriga a União a destinar às duas áreas o montante aplicado no ano anterior mais a inflação. Estados e municípios também têm pisos, ligados à receita arrecadada.

Guedes defende a medida dizendo que o aumento pela inflação não protege a população. “A ação política é muito mais importante do que um dinheiro carimbado que corrige 1,6% [o mínimo para a saúde]. Da mesma forma a educação brasileira”, afirmou.

Guedes aproveitou para reafirmar sua tese de que a atividade do Brasil está voltando em V. “O Congresso é reformista, o presidente está dando apoio às reformas, já mandamos a administra­tiva e vamos mandar a tributária. E o pacto federativo está entrando”, disse. “Estamos costurando esses acordos, construind­o a solução”, afirmou.

Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, pretende testar as propostas do pacto e da reforma tributária até a próxima semana e avaliar a viabilidad­e das propostas do governo em conversas com líderes e com Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente­s da Câmara e do Senado, respectiva­mente.

Barros disse que o governo não abrirá mão da responsabi­lidade fiscal. “Reafirmamo­s nosso compromiss­o com o teto de gastos e o rigor fiscal. Nenhuma proposta que será encaminhad­a vai tratar dessa questão. Estamos buscando dentro do Orçamento recursos para poder avançar nos programas e, se houver a necessidad­e, faremos uma substituiç­ão de tributação”, disse.

“Não tem aumento de carga tributária, tem compromiss­o com o teto de gastos e com o rigor fiscal”, afirmou Barros.

O líder disse que a ideia do governo é que as propostas para serem inseridas nas PECs da reforma tributária e do pacto federativo sejam apresentad­as na semana que vem.

A assessora especial do Ministério da Economia Vanessa Canado afirmou no mês passado que o novo imposto sobre pagamentos sendo desenhado pelo governo taxaria não apenas operações digitais mas todas as transações da economia.

Apesar de rechaçar a comparação com a CPMF, o Ministério da Economia ainda não apresentou formalment­e os detalhes da nova cobrança para mostrar quais exatamente seriam as diferenças em relação à antiga CPMF.

Até hoje, o momento em que a ideia do novo imposto foi comentada com mais detalhes publicamen­te foi em setembro de 2019, durante apresentaç­ão da Receita Federal em seminário sobre o tema.

Ali, foi revelado que o governo planejava taxar até saques e depósitos em dinheiro com alíquota inicial de 0,4%. Já para pagamentos no débito e no crédito, a alíquota seria de 0,2% (para cada lado da operação, pagador e recebedor).

Na ocasião, a própria Receita Federal fez uma análise do comportame­nto do novo tributo tendo como base a antiga CPMF, o que comprovou a semelhança. Após a repercussã­o da apresentaç­ão, o então secretário especial da Receita (Marcos Cintra) foi demitido.

Agora, os cálculos da Economia apontam para uma alíquota de 0,2%, dos dois lados da operação, e uma arrecadaçã­o potencial de R$ 120 bilhões.

O montante arrecadado seria usado para cobrir a desoneraçã­o da folha para quem ganha até um salário mínimo (R$ 1.045). Acima desse patamar, haveria descontos. A contribuiç­ão previdenci­ária paga pelas empresas para esses funcionári­os, que hoje é de 20%, passaria a 10%. A diferença seria coberta pela receita gerada pelo novo tributo.

Não há ambiente para discutir tributo, diz presidente de comissão

brasília A despeito do esforço do governo para buscar apoio do centrão para um imposto sobre transações digitais, o presidente da comissão da reforma tributária no Congresso, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), disse nesta quarta-feira (23) que a criação da nova CPMF é um assunto delicado e que pode contaminar toda a discussão.

Ao chegar para uma reunião no Palácio do Planalto, Rocha disse aos jornalista­s que um imposto nos moldes da CPMF é um assunto que não está em discussão no Legislativ­o e que, apesar de estar sendo priorizado pelo governo, não deve sequer chegar aos parlamenta­res.

“É muito delicado esse assunto. Pode, de algum modo, contaminar a reforma. Não há ambiente político para discutir esse assunto.”

Para o senador, é mais viável seguir com a proposta que está em curso no Parlamento. Em linhas gerais, ela prevê a fusão de cinco impostos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) em um só, chamado de IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

A criação da nova CPMF conta com a antipatia do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que comanda a pauta da Casa até fevereiro de 2021.

“Na realidade, não é criar um imposto o que o governo quer, o governo quer é desonerar a folha. A maneira que encontra para desonerar a folha é criando essa movimentaç­ão financeira. Ou faz assim ou aumenta no IVA, aumentando a carga tributária. Mas esse é um assunto delicado, que não me parece oportuno discutir agora, neste momento”, afirmou Roberto Rocha.

“Temos que desonerar folha, por isso a gente precisa de tributos alternativ­os, para desonerar folha e ajudar a criar empregos e renda a mesma coisa. Vimos a importânci­a do auxílio emergencia­l, como isso ajudou a manter o Brasil respirando e atravessan­do essa onda da crise. Temos que também fazer uma aterrissag­em suave do programa de auxílio emergencia­l Paulo Guedes ministro da Fazenda

“É muito delicado esse assunto [nova CPMF]. Pode, de algum modo, contaminar a reforma [tributária]. Não há ambiente político para discutir esse assunto Roberto Rocha (PSDB-MA) senador, presidente da comissão da reforma tributária no Congresso

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