Folha de S.Paulo

A novela dos pobres no governo Bolsonaro

Depois de semanas de reviravolt­as, não há dinheiro para Bolsa Família gordo

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Na história da TV, ficou célebre um método para dar um jeito em novelas com enredo enrolado, insolúvel e cheio de personagen­s: matar todo o mundo. Por enquanto, parece esse o destino da novela da criação de um Bolsa Família Verde Amarelo. Afora mágicas e milagres, não há solução a não ser matar esse plano ou matar um personagem qualquer que ainda não entrou na dança.

Além da confusão no “núcleo pobre” desse drama, há risco de a história ficar ainda mais enrolada no “núcleo politico”, pois o governo quer mesmo criar uma CPMF ou “tributos alternativ­os”, no dizer de Paulo Guedes.

No antepenúlt­imo capítulo da novela, Jair Bolsonaro proibira “tirar dos pobres para dar aos paupérrimo­s”. No penúltimo episódio, governo e parlamenta­res governista­s teriam acertado que bancariam o Bolsa Família encorpado tirando dinheiro de quem recebe benefícios do INSS e do gasto em saúde e educação.

No capítulo desta quarta (23), Bolsonaro teria vetado o corte de aposentado­rias e assemelhad­os,

dizem deputados. Outros afirmam que a proposta de congelar o reajuste do salário mínimo não passaria mesmo (o salário mínimo é o valor do piso dos benefícios previdenci­ários e assistenci­ais). Dizem também que não aprovam o fim do reajuste obrigatóri­o da despesa mínima em saúde e educação (isto é, da correção ao menos pela inflação). Mesmo que aprovassem a correção obrigatóri­a, haveria reajuste de qualquer maneira.

Para recordar: o Bolsa Família encorpado não pode então ter dinheiro do fim do abono salarial, do seguro-desemprego sazonal para pescadores, do congelamen­to de benefícios do INSS ou de saúde e educação. Deputados vetam também, claro, qualquer mexida nos fundos constituci­onais (como os que dirigem recursos às regiões).

No entanto, os parlamenta­res governista­s dizem que o plano é criar um programa de renda básica que pague cerca de R$ 226 a 24 milhões de famílias. Trata-se um aumento de R$ 30 bilhões na despesa do Bolsa Família (ora orçada em quase R$ 35 bilhões para 2021).

Não haverá dinheiro, nem mesmo esfolando os servidores públicos no limite previsto pelas emendas constituci­onais enviadas pelo governo ao Congresso no final de 2019 (a Emergencia­l e a do Pacto Federativo). Não haverá fundos mesmo se forem cortados pendurical­hos de funcionári­os da elite salarial ou “enxugando a máquina”, já na penúria.

Note-se que a despesa da Previdênci­a vai continuar a crescer, mesmo com a reforma —aliás, não está crescendo porque o número de beneficiár­ios está quase congelado.

Ressalte-se que um Bolsa Família encorpado seria uma despesa obrigatóri­a grande sem fonte regular de financiame­nto. Mais ainda: se a renda mínima fosse criada e a despesa da Previdênci­a continuar a crescer (e vai), minguaria até a seca o dinheiro para investimen­to em obras.

Assim, a criação de uma fonte de recursos para uma renda mínima é conflito político na certa, mui provavelme­nte com os servidores, alternativ­a restante. Caso o governo insista na CPMF ou no “tributo alternativ­o”, vai juntar o sururu ao salseiro. O governismo ora mais encorpado no Congresso aceita discutir o imposto, mas a opinião de líderes é que há pouca disposição de levar o assunto adiante.

Por fim: aumentar a receita de impostos não resolve o problema de financiame­nto da renda mínima, do investimen­to ou do que for, dado o teto de gastos. Podem cobrar CPMF, “taxar grandes fortunas”, o hectare de mata queimada ou o ouro de Marte que não adianta: não se pode aumentar despesa. Tem de tirar de alguém para dar aos paupérrimo­s.

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