Reino Unido vai infectar voluntários para testar vacinas
Participantes ficarão em quarentena sob condições controladas e receberão compensação de R$ 26 mil
londres | financial times Londres vai hospedar os primeiros testes de desafio humano da Covid-19 do mundo. Neles, voluntários saudáveis serão deliberadamente infectados com o coronavírus para avaliar a eficácia das vacinas experimentais.
Os estudos financiados pelo governo do Reino Unido devem começar em janeiro em uma instalação segura de quarentena no leste de Londres, de acordo com várias pessoas envolvidas, que será anunciado na próxima semana.
Os pesquisadores, que não quiseram comentar publicamente antes do lançamento, disseram que os testes terão um papel vital ao estreitar o amplo campo de vacinas promissoras contra a Covid-19, que deverão entrar em testes clínicos no início do próximo ano.
Os voluntários serão inoculados com uma vacina e cerca de um mês depois receberão uma dose de teste de Sars-CoV-2, o vírus que causa a Covid-19, sob condições controladas.
Cerca de 2.000 potenciais voluntários se inscreveram para estudos de desafio no Reino Unido por meio do grupo de ativistas 1Day Sooner, dos Estados Unidos, que faz campanha para testes de infecção com Covid-19 e recrutou 37 mil pessoas em todo o mundo. Os ensaios clínicos tradicionais precisam de dezenas de milhares de participantes, e os pesquisadores teriam dificuldade para atrair o número suficiente para estudos de diversas vacinas.
Os testes de desafio têm uma história que remonta a 1796, quando o pioneiro das vacinas Edward Jenner inoculou James Phipps, de oito anos, com o vírus vivo da varíola bovina. Mais recentemente, eles têm sido fundamentais no desenvolvimento de vacinas e tratamentos para febre tifoide, cólera e malária e na compreensão de como o sistema imunológico responde à gripe e outros vírus.
A 1Day Sooner está lançando uma campanha no Reino Unido nesta semana com um pedido ao Parlamento de financiamento público para uma instalação de biocontenção com capacidade suficiente para colocar em quarentena de 100 a 200 participantes.
O líder acadêmico do projeto é o Imperial College London, e ele será administrado pela hVivo, ramificação da Universidade Queen Mary de Londres que foi comprada no início deste ano pela Open Orphan, organização de pesquisa farmacêutica com sede em Dublin (Irlanda).
Uma decisão final sobre o local dos testes de desafio iniciais ainda não foi tomada. Poderá ser na clínica de quarentena com 24 leitos da hVivo em Whitechapel, Londres, ou em outro local maior nas proximidades.
Dominic Wilkinson, professor de ética médica na Universidade de Oxford, é um dos vários especialistas em ética do Reino Unido que já assinaram a petição da 1Day Sooner.
“Ao enfrentarmos uma ameaça global sem precedentes da Covid-19, é um imperativo ético realizar estudos de desafio bem controlados para ajudar a desenvolver uma vacina e, em seguida, identificar as melhores vacinas”, disse o professor Wilkinson. “As que surgirem primeiro dos ensaios clínicos provavelmente não serão as melhores.”
Qualquer teste de desafio da Covid-19 precisará ser aprovado pela Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido e por um comitê independente de ética em pesquisa.
“Testes de desafio humano podem ser úteis para o desenvolvimento de vacinas e podem fornecer evidências precoces de eficácia clínica, particularmente quando há baixas taxas de infecção do vírus na população”, disse a Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos para a Saúde do Reino Unido.
“A segurança dos participantes do ensaio é nossa prioridade, e qualquer proposta de um desenvolvedor para incluir um desafio de infecção humana como parte de um ensaio clínico para o desenvolvimento de uma vacina seria considerada em uma base de benefício-risco, com riscos monitorados e minimizados no projeto do ensaio proposto.”
O principal organizador da 1Day Sooner no Reino Unido é Alastair Fraser-Urquhart, 18, que está dedicando seu tempo à campanha antes de ir para a University College London para estudar biologia do câncer, no próximo ano.
“Ao expor apenas algumas centenas de pessoas jovens e saudáveis cuidadosamente selecionadas ao coronavírus —um vírus que para este grupo é muito menos mortal do que procedimentos de rotina como a doação de rim vivo— podemos testar uma grande variedade de vacinas muito rapidamente”, disse Fraser-Urquhart.
Um aspecto crucial dos testes de desafio é selecionar e purificar uma cepa apropriada do vírus que seja geneticamente representativa do Sars-CoV-2 que circula hoje na população, e escolher doses que infectarão voluntários sem sobrecarregar seu sistema imunológico.
Também é essencial ter um remédio de resgate disponível para evitar doenças graves nos participantes. O teste de Londres usará inicialmente remdesivir, o único medicamento antiviral de funcionamento comprovado contra a Covid-19 até agora.
Os voluntários que participam dos estudos de desafio da gripe da hVivo recebem uma compensação de até 3.750 libras (cerca de R$ 26 mil). O pagamento pelos testes da Covid-19 provavelmente será um pouco mais alto porque o isolamento durará mais — potencialmente até um mês.
A instalação da hVivo pode ser dividida em três zonas de oito leitos cada, para testar três vacinas diferentes ao mesmo tempo. É provável que haja uma demanda intensa por seus serviços, e instalações maiores poderão ser abertas posteriormente.
Nos Estados Unidos, o Instituto Nacional de Saúde (NIH na sigla em inglês) concedeu à Universidade Estadual do Colorado um contrato no valor de pelo menos US$ 3,6 milhões para apoiar a fabricação de duas cepas virais que poderão ser usadas para estudos de desafio em humanos. Atualmente o órgão está preparando o processo de fabricação de uma das linhagens. O instituto também está investigando os requisitos técnicos e éticos para testes de desafio.
Nadine Rouphael, importante pesquisadora de vacinas da Universidade Emory, em Atlanta, e uma de vários cientistas que desejam realizar estudos de desafio nos Estados Unidos, disse: “Não há urgência no NIH. O Reino Unido está bem à frente, e isso é ótimo”.