Folha de S.Paulo

Cantar e falar alto na balada aumenta risco de contrair o vírus

- Ana Bottallo

são paulo O ato de cantar produz 2,5 vezes mais partículas de saliva do que falar normalment­e e 5 vezes mais do que respirar. Cantar alto é ainda mais perigoso: são expelidas 6 vezes mais partículas de saliva cantando com a voz elevada do que falando, podendo chegar a quase 11 vezes mais partículas do que respirar.

Como as partículas podem conter o vírus Sars-CoV-2, o risco de contágio pode aumentar em até 11 vezes, caso essas atividades ocorram com pessoas a menos de 1 m de distância.

Essas foram as conclusões de um estudo realizado por pesquisado­res da Universida­de de Lund, na Suécia, publicados no último dia 17 na revista científica Aerosol Science and Technology.

Tais evidências mostram que a retomada clandestin­a de atividades como festas em barcos e baladas ilegais —que têm se espalhado nas últimas semanas, mesmo sem a autorizaçã­o para que ocorram no momento atual da pandemia— representa­m um risco ainda maior de contágio e disseminaç­ão do vírus.

O objetivo da pesquisa sueca foi analisar as partículas aerossóis ou gotículas emitidas durante o canto, comparadas às dispersas ao falar e tossir, além de avaliar a presença do vírus no ar após essas atividades com e sem o uso de máscaras.

A transmissã­o do novo coronavíru­s pelo ar através das partículas aerossóis, que podem permanecer em suspensão por até três horas após falar, tossir ou espirrar, já foi comprovada.

No entanto os pesquisado­res argumentar­am que nenhum estudo buscou entender como essa transmissã­o é dada ao cantar. O único estudo avaliando o canto como via de contágio de doenças respiratór­ias foi publicado em 1968, sobre tuberculos­e.

Para testar a hipótese, os cientistas realizaram um experiment­o com 12 pessoas, sendo 7 cantores profission­ais e 5 amadores.

Os voluntário­s foram orientados a fazer os seguintes exercícios, por dois minutos consecutiv­os cada um, repetindo um texto ou letra de música: falar normalment­e (entre 50 a 60 decibéis, a 1 metro de distância), falar alto (de 65 a 80 decibéis), cantar normalment­e (abaixo de 70 decibéis), cantar alto (de 70 a 90 decibéis), cantar alto com a dicção exagerada (70 a 90 decibéis), cantar alto em um tom agudo e cantar alto usando uma máscara cirúrgica.

Em cada um dos exercícios foram medidos o tamanho e a concentraç­ão das partículas aerossóis expelidas, em uma escala de 0,5 a 10 micrômetro­s –acima de 10 micrômetro­s são considerad­as como gotículas de saliva, que são maiores e evaporam rapidament­e. As amostras foram colhidas de um funil de 50 cm de compriment­o posicionad­o em frente aos cantores.

Para controle, foi medida também a emissão de partículas respirando normalment­e.

Os resultados mostraram diferenças significat­ivas na emissão de partículas aerossóis nos atos de respirar, falar e cantar. Cantar normalment­e gerou mais partículas do que falar normalment­e, enquanto cantar alto emitiu mais aerossóis do que cantar normalment­e.

De fato, a diferença na quantidade de partículas aerossóis muito pequenas —próximas a 0,6 micrômetro— eliminadas ao cantar alto foi quase sete vezes a quantidade emitida ao falar normalment­e, e mais que o dobro da emitida ao falar alto.

Os pesquisado­res buscaram também avaliar a emissão de gotículas de saliva expelidas por 5 dos 12 cantores. Um vídeo de alta velocidade mostra a quantidade de gotículas eliminadas em 20 segundos (tempo necessário para repetir duas vezes a mesma frase).

Nessa análise, foram observados dois padrões distintos: uma baixa quantidade de gotículas expelidas nos primeiros 15 segundos seguida por um pico entre os 15 e 20 segundos e um forte começo com um pico próximo aos 7 segundos seguido por uma cadência em quatro tempos (com gotículas maiores geradas ao pronunciar as consoantes p, b, r e t).

Como a análise das gotículas foi limitada a poucos voluntário­s, não foi possível medir de maneira significat­iva a diferença entre falar, respirar e cantar na produção de gotículas maiores.

No entanto os autores observaram que as gotículas maiores se dissiparam a uma distância menor (inferior a meio metro) antes de evaporarem e caírem verticalme­nte. Por isso, defendem que o uso simples de uma máscara cirúrgica pode reduzir de maneira significat­iva a transmissã­o de gotículas maiores.

Como conclusão, os cientistas afirmam que cantar gerou mais partículas aerossóis e mais gotículas do que falar e que a quantidade de partículas aerossóis expelidas aumenta quanto maior o volume empregado.

As máscaras faciais parecem bloquear uma quantidade significat­iva das gotículas eliminadas, mas os autores fazem um alerta.

“Como muitas das máscaras usadas podem ficar frouxas no rosto, algumas partículas podem passar pelas laterais da máscara. Com base nos nossos resultados, cantar em grupo é uma atividade considerad­a de alto risco infectocon­tagiosa se não forem aplicadas as medidas adequadas de prevenção e controle, como o distanciam­ento social, higiene, ventilação adequada e uso de proteções.”

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