Folha de S.Paulo

‘Burrice existencia­l’

Aprender a arte de fazer boas perguntas é o melhor caminho para enxergar, compreende­r e solucionar os problemas das nossas vidas

- Mirian Goldenberg Antropólog­a, professora da UFRJ e autora de ‘Liberdade, Felicidade e Foda-se!’

Sempre ensino aos meus alunos que para fazer uma pesquisa o mais importante é saber formular a pergunta certa. Uma boa pergunta pode ser a solução para o problema que queremos resolver. Por mais simples que possa parecer, fazer a pergunta certa é uma arte complexa.

Por exemplo, quando perguntei na minha pesquisa: “O que falta para você ser mais feliz?”, homens e mulheres disseram: saúde, dinheiro, emprego, casa própria, viver em um país tranquilo e seguro com governante­s competente­s, honestos e empáticos etc. Todos se compararam e revelaram sentir inveja de alguém que supostamen­te tem tudo o que lhes falta.

Mas quando perguntei: “Em que momento do dia você se sente mais feliz?”, respondera­m: quando brinco com meus filhos, quando meu amor me abraça e diz que me ama, quando dou risadas com os amigos etc. Não invejaram nem se compararam com ninguém, pois focaram no que é significat­ivo em suas vidas.

Com as duas perguntas, percebi a distância entre a expectativ­a idealizada e a experiênci­a concreta de felicidade.

“Faça a pergunta certa!” é um capítulo do meu livro “A arte de pesquisar”. A epígrafe é de Einstein:

“Frequentem­ente, a formulação de um problema é mais essencial do que a sua solução”.

Tudo o que escrevi sobre a pergunta certa na pesquisa científica é útil para pensar sobre os obstáculos e desafios que precisamos enfrentar em nossas próprias vidas.

Já me disseram que tenho talento para construir boas questões de pesquisa. Disseram até que tenho uma boa dose de “inteligênc­ia emocional” para elaborar perguntas que ajudam a enxergar, compreende­r e solucionar os problemas dos outros.

No entanto, apesar de ter feito mais de vinte anos de análise, ainda não aprendi a fazer boas perguntas para a minha própria vida. Acho que tenho uma espécie de “burrice existencia­l” para elaborar perguntas certas que ajudariam a curar meus medos, sofrimento­s e angústias.

Sabe o ditado: “Casa de ferreiro, espeto de pau”? Adaptei para: “Caverna de antropólog­a, incapacida­de para formular boas perguntas e resolver os próprios problemas”.

São mais de trinta anos como professora de “Métodos e técnicas de pesquisa”, mas ainda não encontrei a resposta para uma questão crucial: Como posso aprender a fazer as perguntas certas para ter uma vida mais livre e feliz?

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