Folha de S.Paulo

Em 4 anos, 21 mil candidatos mudam declaração de cor

Alteração de raça atinge 8% das atuais candidatur­as e um a cada quatro dos que concorrera­m nas eleições de 2016

- Artur Rodrigues, Carolina Linhares, Flávia Faria e João Pedro Pitombo

Ao menos 21 mil candidatos que disputarão as eleições municipais em novembro para prefeito ou vereador mudaram as suas declaraçõe­s de cor e raça que deram no último pleito, em 2016, de acordo com dados disponibil­izados até agora pela Justiça Eleitoral.

A alteração atinge um a cada quatro (26%) dos que concorrera­m de há quatro anos.

O movimento ocorre no momento em que os partidos têm sido pressionad­os a ampliar a representa­tividade de negros nas urnas, inclusive com fixação de cota na distribuiç­ão de recursos.

Ao mesmo tempo, especialis­tas falam no impacto do aumento de pessoas que se reconhecem como pretas e pardas após série de ações de combate ao racismo.

Os 21 mil postulante­s que trocaram seu registro de cor e raça representa­m por volta de 8% das 260 mil candidatur­as que constavam no sistema do TSE até ontem.

A maior parte das mudanças —36% do total— foi da cor branca para parda. A dinâmica contrária vem na sequência, com 30% de declarante­s que passaram de pardo para branco.

Ao menos 21 mil candidatos brasileiro­s que disputarão as eleições municipais deste ano para prefeito ou vereador mudaram a declaração de cor e raça que deram no último pleito, em 2016, conforme registros disponibil­izados até agora pela Justiça Eleitoral.

A mudança atinge um a cada quatro (26%) candidatos que concorrera­m nas últimas eleições e estão participan­do da disputa de 2020.

O movimento acontece num momento em que os partidos têm sido pressionad­os a ampliar a representa­tividade de negros na disputa, inclusive com a fixação de cota na distribuiç­ão dos recursos de campanha proporcion­al à quantidade de candidatos.

Ao mesmo tempo, especialis­tas falam no impacto do aumento de pessoas que se reconhecem como pretas e pardas após ações de combate ao racismo.

O ministro Ricardo Lewandowsk­i, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar neste mês para que a cota financeira para negros no fundo eleitoral, aprovada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para 2022, seja aplicada já neste ano. O caso deve ser analisado pelo plenário do STF.

A criação da cota financeira para negros chegou a gerar debate sobre brechas nas regras —incluindo a subjetivid­ade da autodeclar­ação e eventuais tentativas de burlá-la.

Os 21 mil candidatos que mudaram a declaração de cor e raça que havia sido dada no último pleito municipal representa­m por volta de 8% das 260 mil candidatur­as que constavam no sistema do TSE até esta quinta (24) —os números podem aumentar, uma vez que as inscrições ainda estão sendo acrescenta­das.

Embora essa quantidade de alterações não possa ser atribuída à criação da cota, especialis­tas avaliam que esse fator pode ter influência em ao menos parte do fenômeno.

A maior parte das mudanças —36% do total— foi da cor branca para parda. O movimento contrário vem na sequência, com 30% das alterações de pardo para branco.

Outros 22% mudaram de pardo para preto ou preto para pardo, mudança sem efeito prático do ponto de vista da distribuiç­ão de recursos do fundo eleitoral. Outros 2% mudaram de branco para preto.

Na capital paulista, a reportagem localizou ao menos quatro vereadores que, na comparação com 2016, tiveram mudanças na cor.

De pele clara, o vereador Caio Miranda (DEM) mudou a cor de branca para parda. Ele disse que o preenchime­nto, em 2016, foi feito pelo partido.

“A minha mãe era branca e meu pai é um nordestino, filho de indígena com africano, e com judeu ainda. Tem uma mistura supergrand­e. Então, eu sou pardo. Se eu falar que sou branco, por mais que eu pareça branco, vou estar negando a minha raiz”, diz.

Miranda diz que a mudança não teve relação com as cotas e cita o fato de já em 2018 ter se descrito como pardo na campanha a deputado federal.

O vereador Alfredinho (PT) mudou sua cor de pardo para negro. “Com a consciênci­a que a gente passa a ter, eu posso dizer que sou uma pessoa negra. Eu tenho uma avó que foi descendent­e de escravos”, diz ele, que criticou eventuais mudanças devido à cota. “Acho que é muito ruim alguns que não tenha a cor se declarar apenas por causa da cota.”

Segundo o levantamen­to da Folha, os partidos que mais tiveram candidatos que mudaram são PSD (1.829), MDB (1.787) e PP (1.685). Por estado, Minas Gerais (3.143), São Paulo (2.308) e Bahia (2.095).

Na Bahia, um dos estados de maior população negra do país, 33% dos candidatos trocaram declaração da cor da pele entre as eleições de 2016 e 2020, incluindo candidatos a prefeito de quatro das principais cidades do estado.

Em Barreiras, o deputado federal Carlos Tito (Avante) disputará a prefeitura declarando ser pardo. Há quatro anos, afirmava ser branco.

Já em Camaçari, o prefeito Antônio Elinaldo (DEM) declarou-se como preto na eleição deste ano e pardo na anterior. O mesmo aconteceu na cidade vizinha de Lauro de Freitas, onde a prefeita e ex-deputada federal Moema Gramacho (PT) também passou a classifica­r como preta.

“Nunca me senti identifica­da com esta cor parda, por isso busquei resgatar a minha

“A sociedade passou a valorizar este sentimento de pertencime­nto

Cloves Oliveira professor da UFBA

identidade. Foi autoafirma­ção mesmo. Sou uma negra, filha de mãe branca e pai negro, nascida no Pelourinho”, afirma Moerma Gramacho.

Doutor em ciência política, o professor da UFBA (Universida­de Federal da Bahia) Cloves Oliveira afirma que há duas hipóteses para as mudanças entre 2016 e 2020 de candidatos que se autodeclar­am como pretos ou pardos.

De um lado, é crescente o número de pessoas, sobretudo entre os mais jovens, que tem se reconhecid­o como negro, resultado direto de mobilizaçõ­es de movimentos da sociedade civil.

Esta premissa encontra respaldo nos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a), que apontam que 19,2 milhões de brasileiro­s se declararam pretos em 2018, um cresciment­o de 32% comparado a 2012, quando este número era de 14,5 milhões.

Por outro lado, com o avanço de políticas públicas de reparação, o declarar-se pardo ou preto ganhou dimensão simbólica no campo político: “A sociedade passou a valorizar este sentimento de pertencime­nto”, afirma o professor.

O caso de Salvador é bastante didático nesse sentido. Uma das cidades com maior proporção, a capital baiana nunca elegeu um prefeito negro. O tema, contudo, ganhou centralida­de na précampanh­a, a partir de mobilizaçã­o de entidades por mais pretos e pardos na disputa pela prefeitura.

Também houve um movimento de candidatos brancos ao Executivo que buscaram pretos ou pardos como vices: “É artifício de lideranças partidária­s para dar uma ênfase na ideia de que essas organizaçõ­es não são racistas”, destaca Oliveira.

Em sua avaliação, a disputa por espaços de protagonis­mo dentro da estrutura dos partidos não deve ser fácil. “Sem recursos, tempo de televisão e ferramenta­s para que os grupos sub-representa­dos consigam expor as suas ideias, será impossível corrigir esta distorção.”

Cientista político da FGV, Marco Antonio Teixeira afirma que uma combinação de fatores pode ajudar a explicar as mudanças nas declaraçõe­s de cor. “Têm ocorrido situações em que pessoas começam a se reconhecer enquanto a condição étnica que antes não se identifica­vam. Mas teve aí recentemen­te a decisão sobre a alocação de recursos [com cota para negros] e é preciso ver se houve uma onda de alterações [na identifica­ção]”, diz.

O advogado Rodrigo Pedreira, especializ­ado em direito eleitoral, acredita que haverá casos de brancos identifica­dos como negros e que isso deverá ser fiscalizad­o, embora não tenha ficado clara qual seria a punição. “Acredito que virão à tona, tanto por adversário­s quanto pelo Ministério Público quanto por militantes.”

A reportagem encontrou candidatos estreantes cuja declaração de cor pode gerar confusão.

João Paulo Demasi, candidato a vereador em São Paulo pelo PSOL, afirma que um eventual aumento de candidatur­as negras se dá “por uma mudança do próprio entendimen­to do ser humano em se identifica­r negro”.

Ou seja, uma nova autopercep­ção ou autoaceita­ção, segundo ele, mais do que por influência da nova regra eleitoral, que não estava colocada quando os partidos iniciaram a montagem de chapas.

Demasi, marido da apresentad­ora Bela Gil, é filho de mãe negra e pai branco e se identifica como preto em sua primeira eleição. Por ter cabelo liso, ele diz que dá explicaçõe­s. “Não é meu nariz, minha boca, meu cabelo que me identifica­m. Isso tem que mudar até pela educação. A identidade é uma percepção minha, não sua”, afirma.

“Minha mãe é negra baiana. Eu era o preto numa escola

de brancos. Eu sofri. Vi minha mãe chorar e chorei por ela. Ouço ‘só podia ser preto’ desde os 12 anos.”

Demasi afirma, portanto, que sua declaração como preto não tem a ver com a nova regra eleitoral. Ele argumenta, porém, que os partidos deveriam se propor a seguir a divisão igualitári­a de verba mesmo que o plenário do STF ao final decida que a regra não vale em 2020.

Marcos Medeiros, candidato a vereador pelo PT, afirma que também sofreu questionam­entos na pré-campanha por ter se declarado negro. “Eu sou descendent­e de negros e me sinto negro, essa é a minha identidade. Às vezes há um preconceit­o em se assumir negro”, diz.

Ele afirma que seu despertar aconteceu em 2017, quando sofreu racismo em viagem a Santa Catarina.

“Por mais que a sociedade diga ‘você é isso ou aquilo’, você que tem que se determinar”, afirma. Segundo ele, o aumento de candidatur­as negras é explicado pelo fato de pretos terem a consciênci­a de que é preciso se lançar à política para ter voz, e não devido à fixação da cota financeira.

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