Folha de S.Paulo

Impeachmen­t é terceiro turno

Governador de SC diz que processo contra ele abre precedente perigoso para democracia

- Paula Sperb

Eleito com 71% dos votos em 2018, o governador de Santa Catarina (PSL) é alvo de processo de impeachmen­t por ter igualado o salário de procurador­es do Executivo ao do Legislativ­o. “É puramente político, terceiro turno.”

Eleito com 71% dos votos em 2018, o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), pode ter o mandato interrompi­do pela metade. Ele é alvo de processo de impeachmen­t por ter igualado o salário dos procurador­es do Executivo ao do Legislativ­o.

“Temos convicção de que não tem justa causa. É puramente político, quase como um terceiro turno da eleição”, disse em entrevista à Folha.

Sua vice, Daniela Reinehr (sem partido), também pode ser afastada. Por isso, Moisés entende que não se trata apenas de seu afastament­o, mas da derrubada do governo.

Acusado de ser “traidor de Bolsonaro” por sua personalid­ade mais moderada, Moisés enxerga um “precedente perigoso” caso o impeachmen­t se confirme. “A vontade popular pode ser suprimida por simples vontade política ou por não ter maioria [na Assembleia] naquele momento.”

Para o sr., há outro motivo para o impeachmen­t além do apresentad­o oficialmen­te?

Temos convicção de que não tem justa causa. É puramente político, quase como um terceiro turno da eleição. Tivemos uma vitória acachapant­e, que nunca aconteceu em Santa Catarina, 71,09% dos votos e uma chapa pura. [Isso] acabou tirando do processo muitos que estavam galgando esse lugar. Os grupos se aproximara­m e não tiveram espaço para indicar seus parceiros.

O primeiro escalão foi prioritari­amente técnico, sem indicação política. Economizam­os cerca de R$ 400 milhões em contratos nocivos ao erário. Isso confrontou o interesse de muitos que se beneficiav­am. Há indicações da PF de que há uma organizaçã­o criminosa atuando no estado. Confrontam­os esses grupos. Há interesse político de derrubada do governo.

Qual o impacto disso na democracia?

É quase um parlamenta­rismo velado. Um poder interfere no outro, podendo assumi-lo. Isso confronta os princípios constituci­onais. Coloca em xeque o modelo [democrátic­o] nacional, ao abrir um precedente perigoso para todos os prefeitos, governador­es e presidente. A vontade popular pode ser suprimida por simples vontade política ou por não ter maioria [na Assembleia] no momento.

Este é um ano de pandemia. Acreditamo­s que houve aproveitam­ento desse momento de fragilidad­e para crescer esse movimento na Assembleia. A virada de mesa vem em péssima hora, quando a sociedade precisará se organizar para o cresciment­o econômico.

O sr. também é criticado pelo desempenho da gestão. Como enxerga isso?

Há críticas de que o governo vai mal e não se comunica. Talvez não fale aquela linguagem antiga de troca de favores.

Recebemos o estado com R$ 1,2 bilhão de déficit e entregamos saneado no final de 2019, com R$ 161 milhões superavitá­rios. Em 2019, pagamos a conta que herdamos da saúde com R$ 750 milhões [em dívidas] e entramos em ano de pandemia com as contas saneadas. Isso nos fez enfrentar a pandemia com a menor taxa de mortalidad­e do Brasil.

Temos números importante­s, como a entrega serviços digitais aos contribuin­tes. Além da transparên­cia, gerou economia de mais de R$ 40 milhões ao ano. Criamos apps, escolhemos fornecedor­es por pregão eletrônico. Tiramos contratos que eram extremamen­te nocivos.

Em 2018, o governo comprou oxigênio de uso medicinal e pagou R$ 24 milhões. Nós pagamos R$ 12 milhões no ano seguinte, tiramos um atravessad­or. Há contratos investigad­os pela PF na Operação Alcatraz com origem no sistema prisional. Só nesses contratos devemos economizar R$ 10 milhões neste ano.

O sr. menciona a Operação Alcatraz. Um dos investigad­os é o presidente da Assembleia, Júlio Garcia (PSD). Ele tem interesse pessoal no impeachmen­t?

Talvez eu não tenha que responder. Ele deve responder pelos atos dele. O fato é que não é esse o caminho, criar uma discordânc­ia política para derrubar um governo. Imagine isso se espalhando para o país inteiro.

Por interesse político ou pessoal, ao invés do caminho das urnas, o do tapetão. É importante chamar a atenção para que isso não se consolide, porque seria uma perda para a democracia e um precedente muito perigoso.

A maioria da bancada do seu partido, o PSL, votou pela abertura do processo de impeachmen­t. Por quê?

A gente fica sem entender. São posicionam­entos muito voláteis. Há pouco tempo esse grupo defendia a vice. Depois, atacou-a de forma incisiva, brutalment­e. Há pouco tempo, ela era bolsonaris­ta. De uma hora para outra, não é mais.

Não justificar­am por uma causa, mas reclamando de coisas nada a ver com o impeachmen­t. Uma posição que mostrava que não sabiam o que estavam fazendo. Chegaram a dizer que se o presidente [Jair Bolsonaro] ligasse até o meio-dia, mudariam o voto.

É uma afronta à democracia. O processo de impeachmen­t deve ser usado de maneira séria e jamais pode justificar que uma mera ligação poderia mudar o voto.

[Disseram que] foi porque não chamei ao palanque, porque não tirei foto junto. Foi um um show de horrores nas falas [durante a votação].

O sr. também é alvo de outro pedido de impeachmen­t, sobre a compra de 200 respirador­es com pagamento adiantado de R$ 33 milhões. Eles foram entregues? Houve ilegalidad­e?

O que sabíamos, desde o início, é que precisávam­os ampliar nossos leitos de UTI e isso passava pela aquisição de respirador­es. O mercado mundial estava completame­nte alterado em função do aumento na demanda, isso era do conhecimen­to de todos.

Mas eu não participei do processo de compra, da escolha da empresa ou das negociaçõe­s. Assim que soube que uma empresa havia prometido a entrega de respirador­es e não honrou, determinei a abertura de sindicânci­a dentro da Secretaria de Estado da Saúde e acionei a Polícia Civil, pois havia o risco de o Estado

ser vítima de uma fraude em função do pagamento antecipado. Neste momento, aguardamos a conclusão das investigaç­ões para que os responsáve­is sejam penalizado­s.

O sr. foi chamado de traidor do presidente Bolsonaro. Por quê?

Eles tem acusado tanto o governador quanto o deputado federal Fabio Schiochet [PSL-SC]. Dizem que ele não é bolsonaris­ta, mas é o deputado que mais votou a favor dos projetos de Bolsonaro, mais que os familiares do presidente. O que é ser bolsonaris­ta? O governador fez o que foi prometido na campanha: um primeiro escalão técnico, sem conchavos, relações republican­as, respeito ao uso do dinheiro público. Isso é trair Bolsonaro?

Nosso governo é parecido com o que o federal tem feito. Em algum momento quando começaram a me chamar de traidor, recebi as Mães pela Diversidad­e, que relatavam problemas de segurança com seus filhos. Comecei a receber [movimentos] e articular. Recebi agricultor­es familiares, porque 95% da produção agrícola vem de pequenas propriedad­es e alguns são assentados. Por isso, me tornei um traidor de Bolsonaro. Ele é presidente de todos brasileiro­s, e e eu sou governador de todos os catarinens­es.

O impeachmen­t não é do governador, mas do governo, porque se está tentando tirar os dois ao mesmo tempo. Esta ala, que até pouco tempo era ligada à vice, passou a atacála. Percebe-se que não há razões lógicas, de uma intelectua­lidade mediana, para esse tipo de comportame­nto.

O sr. pensa que esperavam que fosse menos moderado e mais radical, assim como o presidente Bolsonaro, nas suas manifestaç­ões?

Fiz uma campanha bem tranquila, meu perfil desde a campanha é este. O catarinens­e votou em mim [sabendo] no meu jeito. Devo isso ao meu eleitor. Eles gostam da moderação com a qual me dirijo a todos os órgãos, Poderes e parlamenta­res.

O sr. acredita que chefes do Executivo estão mais suscetívei­s a sofrer impeachmen­t? Por quê?

Temos ainda esperança na Justiça [cinco desembarga­dores e cinco deputados julgarão se aceitam a denúncia], de que haja um julgamento que de fato leve em consideraç­ão que não há justa causa no processo, [que considere] o risco desta decisão para democracia do país.

Estamos aguardando que a justiça seja feito no estado. Qualquer chefe de Executivo poderá ser derrubado se não tiver maioria no parlamento. Isso é no Brasil inteiro. Como faz a maioria? Vende o governo? Concede a estrutura? Faz negociaçõe­s políticas? É um grande desserviço [consolidar maioria desta forma].

“O impeachmen­t não é do governador, mas do governo, porque se está tentando tirar os dois ao mesmo tempo. Esta ala, que até pouco tempo era ligada à vice, passou a atacá-la. Percebe-se que não há razões lógicas, de uma intelectua­lidade mediana, para esse tipo de comportame­nto

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Susi Padilha/Secom

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