Folha de S.Paulo

Atual limite de gastos é inviável

A inviabilid­ade do atual teto de gasto fica mais clara a cada dia

- Nelson Barbosa

A inviabilid­ade do atual teto de gasto está clara. Para manter o congelamen­to real de despesa prometido por Temer, seria preciso reduzir o valor real das aposentado­rias, quebrar o chão da saúde e educação pública e cortar salários de servidores.

A inviabilid­ade do atual teto de gasto fica mais clara a cada dia. Para manter o congelamen­to real de despesa prometido por Temer (para seus sucessores), seria preciso: reduzir o valor real das aposentado­rias, quebrar o chão da saúde e educação pública e cortar jornada e salários de servidores.

Bolsonaro (ainda bem) deu cartão vermelho à sugestão de diminuir o valor real do salário mínimo e benefícios do INSS. Seria engraçado se não fosse trágico que, justamente quando o auxílio emergencia­l demonstra a importânci­a de ter um piso para a renda dos mais pobres, nossa equipe de ideologia econômica proponha quebrar o chão da vida dos outros.

No caso dos servidores, ainda que cortes com redução de jornada em altos salários possam ser justificad­os, as propostas do governo sempre começam dizendo quem não será afetado, normalment­e servidores de altos salários de “carreiras de Estado”.

E, enquanto a equipe econômica dava declaraçõe­s fiscalista­s contra servidores, a AGU promoveu 603 procurador­es ao topo da carreira (com salário de R$ 27,3 mil) —depois voltou atrás, após repercussã­o negativa—, temos aumentos previstos para militares, e o Congresso, por pressão do Judiciário, autorizou a criação de mais um Tribunal Regional Federal.

Mas sejamos generosos e considerem­os a proposta da equipe econômica, com apoio enfático de Rodrigo Maia, de reduzir os salários e a jornada dos servidores em 25%, para que todos deem sua “contribuiç­ão” contra a crise.

Como o corte de folha seria uma medida temporária, cabe perguntar: o que seria feito em 2022? Outra redução de 25%? E depois, novas reduções anuais até chegarmos ao corte de 100% para, repito, manter a promessa que Temer fez para seus sucessores? Não é preciso ser especialis­ta em finanças públicas para ver que isso não é solução de longo prazo.

Sobra, então, quebrar o piso do gasto com saúde e educação para salvar o teto Temer. Segundo os defensores de tal irresponsa­bilidade, a medida tem por objetivo evitar emissão maior de dívida para gerações futuras. A lógica é, portanto, prejudicar a educação e a saúde das gerações futuras para salvar as gerações futuras (sic). Depois meus colegas não entendem por que, fora da Faria Lima, as pessoas não levam nossa profissão a sério.

E, como se tudo acima não fosse suficiente, o governo, meio que perdido, meio que em desespero, propõe recriar a CPMF para manter a desoneraçã­o da folha, sem perceber que, como vem apontando Vinicius Torres Freire, essa medida em nada ajuda a preservar o teto Temer de gasto.

Especifica­mente, aumentar receita não abre espaço para mais despesa, segundo nossa atual regra fiscal. Seja com nova CPMF ou “digitax”, se o aumento de receita proposto por Guedes for utilizado como contrapart­ida para derrubar o veto de Bolsonaro à continuaçã­o da desoneraçã­o da folha, teremos mais R$ 4,9 bilhões de gasto em 2021. Dado o teto Temer, outras despesas terão que ser cortadas em igual valor para acomodar a desoneraçã­o da folha.

Uma análise objetiva da situação indica que algo vai mudar em nossa política fiscal até março de 2021 (quando o “ano político” efetivamen­te começa, depois do Carnaval e da eleição do novo comando da Câmara e do Senado). Quando? Acho que em dezembro, após as eleições municipais, com prorrogaçã­o do estado de calamidade e do “Orçamento de guerra” para dar mais tempo para o governo sair do teto Temer.

Existem várias alternativ­as de saída, e, nesta semana, 31 senadores (de quase todos os partidos) apresentar­am a PEC 36/2020, com nova regra fiscal e regra de transição em 202122. A bola está com o Senado.

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