Folha de S.Paulo

Conheça MC Niack, que emplacou hits na pandemia sem pisar em um palco

MC Niack era um total desconheci­do que nunca pôs os pés num palco, mas acabou emplacando os maiores hits da pandemia

- Lucas Brêda

“Estou me preparando, já que eu nunca subi num palco”, diz, rindo, um garoto com o cabelo parte raspado, outra parte rosa, em frente a uma parede branca. “Comecei totalmente na internet. Nunca tinha feito show, e essa pandemia aí me ajudou a crescer a música. As pessoas estão em casa, ouvindo música, querendo se entreter.”

Ele é MC Niack, a voz da música mais tocada do Brasil agora. Só na última semana, e só no Spotify, a faixa “Oh Juliana” foi ouvida mais de 5 milhões de vezes, um número que se mantém bem elevado desde que ela foi lançada, em julho.

Niack é de Ribeirão Preto, no interior paulista, mas deu entrevista de Jundiaí, também no interior, no escritório de seu novo empresário, preparando o lançamento de uma carreira “física”. Seu sucesso é um resultado da pandemia, de um artista que surgiu e estourou enquanto as festas e aglomeraçõ­es —onde em geral essas músicas dançantes emplacam— estão proibidas.

Mas o sucesso de “Oh Juliana”, ainda que surpreende­nte, é uma sequência de “Na Raba Toma Tapão”. O hit anterior de Niack não só chegou ao posto de música mais ouvida do país, como estacionou nessa posição por meses depois que chegou lá, em maio —e ainda hoje está entre as 20 mais tocadas no Spotify.

“No ano passado fiz um canal [no YouTube], e comecei a lançar músicas”, diz o MC paulista, que ainda não chegou à maioridade. “Mas não gostei, apaguei tudo e comecei de novo. Sozinho, sem investimen­to nenhum. Fiz contatos e fui ganhando visibilida­de.”

As duas músicas que renderam a um artista então desconheci­do o cobiçado número um do Spotify —à frente de Anitta e Marília Mendonça, entre outros— vieram depois de um momento de baixa.

“Eu estava meio depressivo na época, e a música é que foi um divisor de águas. Foi um tempo tenebroso para mim. Estava começando a entender mais sobre a vida, sobre como ela é dura. É o momento que os jovens têm de ver problema em tudo e não ter estrutura para resolver.”

Niack, que nasceu Davi Alexandre Magalhães de Almeida, tem 17 anos e ainda mora com os pais. Deprimido, ele não estava indo à escola quando começou a compor. “Parei de estudar e trabalhei em uma fábrica de suplemento­s, mas foi por pouco tempo.”

O contato com o funk se deu da mesma forma que o seu sucesso, tudo pela internet. “Aqui todo mundo ouve muito. É assim no Brasil inteiro.”

Ele começou a ouvir funk há uns seis anos e tinha nos MCs Livinho e Pedrinho as principais referência­s. Livinho, então um dos nomes mais populares do funk paulista, estourou com um jeito de cantar mais melódico e músicas com pegada sexual e romântica.

“Pegava a forma deles cantarem como referência. Tenho uma voz melódica. Não teria como cantar de outro jeito.”

A abordagem vocal hoje se tornou uma marca também de Niack. Em “Na Raba Toma Tapão”, ele soma o jeito suave de cantar a batidas eletrônica­s secas, quase metálicas, e letra pouco sutil. Diz que chega dando “choque no seu sistema” e “bota com pressão”. Com uma abordagem totalmente diferente, essa receita —vocal melódico contrastan­do com batidas duras e versos intensos— já fez sucesso na voz de MCs do Rio de Janeiro, como Kevin o Chris.

A expressão “choque no seu sistema” veio de uma novela que ele via —foi o que “destravou” a música. “Depois disso, escrevi o resto de uma vez.”

O estilo de funk que ele segue é o chamado “mandelão”, de produção mínima, batidas esparsas e graves estourados. É o som das festas e está em sintonia com o funk rave, vertente mais próxima da música eletrônica de pista que vinha dominando a cena em São Paulo antes da pandemia, a partir dos sets de DJs.

“Na Raba Toma Tapão” foi produzida por um DJ mineiro, Markim WF, que Niack ainda não conheceu ao vivo. “Ele postava beats de graça na internet. Eu não sabia fazer beat, então pegava os dele e fazia as letras. Nisso, ele viu uma das minhas músicas, gostou, entrou em contato no Instagram. Formamos uma bela amizade e começamos a fazer músicas juntos. Aí surgiu ‘Na Raba’, que é uma ideia dele.”

Os hits de Niack estouraram muito graças ao TikTok, sendo trilha dos “desafios” que envolvem dancinhas. Mas ele diz que usava pouco o aplicativo chinês e que o sucesso na plataforma é mais uma coincidênc­ia do que uma estratégia.

“Oh Juliana”, que veio poucos meses depois de “Na Raba Toma Tapão”, também saiu de uma colaboraçã­o improvável. Ele escreveu a letra da música —a personagem do título, “a ruivinha do rabetão”, não existe na vida real—, gravou a voz e lançou uma versão da música sem batidas no SoundCloud, “para que os DJs produzisse­m em cima dela”.

A versão da música que fez sucesso foi produzida pelo DJ Léo da 17 e por Two Maloka, artistas do Ritmo dos Fluxos, agência relevante de São Paulo. Os clipes das duas, cada um com cerca de 100 milhões de visualizaç­ões, foram produzidos pela KondZilla, e hoje Niack é contratado de uma das grandes gravadoras do país.

Além do sucesso nacional, ele entrou há pouco para uma parada mundial. “Oh Juliana” ficou na posição 132 da Global 200, de singles, da Billboard, fazendo dele o primeiro brasileiro a entrar na lista —encabeçada por “WAP”, da rapper americana Cardi B.

Talvez mais importante do que isso, suas músicas hoje constam nos repertório­s de lives de gigantes brasileiro­s como Wesley Safadão. “Oh Juliana” ganhou versão bregafunk, com o DJ Pernambuco e o MC Dadá Boladão, assim como “Na Raba”, com o MC CL, o que evidencia a penetração além do eixo Rio-São Paulo.

Hoje, a maior parte da renda dos músicos vem dos shows, o que Niack ainda não conseguiu fazer. Mas o sucesso de seus hits foi tamanho que ele já celebra poder ajudar os pais.

“No show, você ganha muito mais. Mas ter dois hits no ‘top um’ e muito tempo em primeiro lugar dá um dinheiro que dá para você se manter. Tirei meus pais do trabalho, posso dar uma vida melhor a eles. Agora minha vida está caminhando muito bem. É meu trabalho, entende?”

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