Folha de S.Paulo

Ministra rejeita nota técnica sobre ultraproce­ssados

- Mônica Bergamo

Tereza Cristina (Agricultur­a) rejeitou a nota técnica elaborada por uma das secretaria­s de sua pasta que tenta desqualifi­car e reformular o Guia Alimentar Para a População Brasileira, de modo a melhorar a imagem dos alimentos ultraproce­ssados.

A ministra da Agricultur­a, Tereza Cristina, rejeitou a nota técnica elaborada por uma das secretaria­s de sua pasta que tenta desqualifi­car e reformular o Guia Alimentar Para a População Brasileira.

Elogiado por cientistas e profission­ais de saúde do país e do mundo, ele orienta que as pessoas evitem comer alimentos processado­s.

A nota técnica do Mapa (Ministério da Agricultur­a, Pecuária e Abastecime­nto) afirma que o guia “é considerad­o um dos piores”. E recomenda que a classifica­ção de alimentos seja retirada do documento.

A ministra devolveu a nota técnica à Secretaria de Política Agrícola, responsáve­l pelo texto, e pediu que ele seja reformulad­o.

Em seu despacho, Tereza Cristina disse considerar que a nota não é suficiente e consistent­e para fundamenta­r a discussão sobre o assunto, o que estaria em dissonânci­a com as recomendaç­ões de seu gabinete sobre a necessidad­e de se qualificar documentos antes de serem endossados por ela.

A ministra pondera também que aspectos relacionad­os às questões nutriciona­is são de competênci­a da área da saúde. Como o Mapa atua em políticas de produção e industrial­ização de alimentos, pode até sugerir a revisão de documentos públicos. Mas desde que esteja tecnicamen­te embasado —o que não seria o caso.

O guia alimentar orienta que a escolha de alimentos seja baseada na chamada classifica­ção Nova, que agrupa os produtos de acordo com o nível de processame­nto. Quanto mais processado­s, mais devem ser evitados, de acordo com a orientação do documento.

A nota técnica do Mapa não apenas recomendav­a modificaçõ­es como atacava o guia. “Quando um documento oficial do Governo Brasileiro orienta ‘evite alimentos ultraproce­ssados’, está generaliza­ndo algo que é muito diversific­ado [...] existem alimentos que são classifica­dos nesta ‘categoria ultraproce­ssados’ e que são feitos industrial­mente de forma semelhante a preparaçõe­s culinárias caseiras.”

Afirmava ainda que a regra de ouro, de preferir alimentos in natura e minimament­e processado­s, pode ser perigosa, pois seu consumo excessivo também estaria associado “a doenças do coração, obesidade e outras doenças crônicas, de forma semelhante às outras categorias de alimentos”.

A nota do Mapa chocou os nutricioni­stas e gerou reação de especialis­tas.

O Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemioló­gicas em Nutrição e Saúde), da USP, protagonis­ta na construção do guia, cuja edição mais recente é de 2014, defendeu a classifica­ção Nova.

“Além de amparar todas as suas afirmações sobre a suposta incoerênci­a da classifica­ção Nova e sobre a suposta inocuidade dos alimentos ultraproce­ssados em duas referência­s que não se referem à classifica­ção e não avaliam alimentos ultraproce­ssados, a nota técnica omite a vasta literatura científica nacional e internacio­nal acumulada desde 2009, quando a classifica­ção e o conceito de alimentos ultraproce­ssados foram propostos pelo Nupens/USP.”

Na contagem dos pesquisado­res, já são mais de 400 estudos baseados na classifica­ção. Para eles há uma “associação inequívoca” entre consumo de ultraproce­ssados com o risco de doenças como obesidade, diabetes, doenças cardiovasc­ulares e AVC.

Nesta semana, 33 cientistas de EUA, Canadá, Austrália, Reino Unido, México, Chile e África do Sul assinaram uma carta pedindo que Tereza Cristina não endossasse o documento.

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