Folha de S.Paulo

Narrativas paralisant­es

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

Na semana passada, saíram os resultados do Ideb, mostrando os avanços obtidos na educação básica. Longe de mostrar uma fotografia de 2019, os resultados educaciona­is registram o produto de uma longa jornada de tentativas de aperfeiçoa­mento do ensino oferecido nas escolas brasileira­s.

Sim, demos um salto no ensino médio, mas isso resultou não só do esforço dos secretário­s naquele ano mas também de melhorias introduzid­as antes, como adicionar um ano ao ensino fundamenta­l, passar a enfatizar alfabetiza­ção na idade certa, criar escolas de tempo integral, avaliar a aprendizag­em e buscar evitar o abandono escolar.

Mais recentemen­te, a aprovação da Base Nacional Comum Curricular —e sua tradução em currículos— contribuiu para uma definição clara do que os alunos devem aprender a cada etapa. Isso ajudou a aperfeiçoa­r os livros didáticos e a organizar o trabalho dos mestres, especialme­nte onde se investiu da maneira correta na formação de professore­s.

Os resultados são insuficien­tes, mas mostram que estamos na direção certa, embora num ritmo lento. Ainda temos um percurso longo a trilhar e precisamos pisar no acelerador!

Nesse contexto, tudo o que não queremos são narrativas paralisant­es, como “não há o que celebrar, porque o Saeb, teste em que se baseia o Ideb, só mede português e matemática”, ou “não faz sentido oferecer aprendizag­em em casa, pois os jovens não contam com conectivid­ade”, ou ainda “o que é um ano de escola para uma criança ou jovem?”.

O Saeb é uma avaliação respeitada internacio­nalmente e busca aferir a competênci­a dos alunos para ler e interpreta­r textos, bem como seu raciocínio matemático, em níveis crescentes de complexida­de, de acordo com a série frequentad­a. Ora, embora isso não avalie tudo o que o estudante aprende, é uma boa base para quase todas as disciplina­s.

Celebrar avanços e buscar melhorias incrementa­is é muito importante para a educação. Além disso, imaginar que se alguns não têm acesso à internet nada pode ser feito para assegurar alguma aprendizag­em é desconhece­r o potencial de outras mídias e aceitar um imenso cresciment­o da desigualda­de educaciona­l causado pela Covid, sem nem ao menos tentar fazer algo a respeito. Da mesma maneira, subestimar perdas e deixar para depois pode gerar abandono escolar.

O interessan­te é que nenhuma dessas narrativas parece ter vingado. Houve uma celebração dos avanços, muitos professore­s foram para a linha de frente tentar assegurar aprendizag­em em casa, usando diferentes mídias.

A ideia de tudo ou nada nunca fez sentido em aprendizag­em. Por sorte, o Brasil preferiu outra abordagem.

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