Folha de S.Paulo

As vantagens da reeleição

Modelo induz representa­ntes a agir segundo os desejos de seus eleitores

- Lucas Gelape Mestre em ciência política pela UFMG e doutorando na USP, foi pesquisado­r visitante na Universida­de Harvard

No artigo “Reeleição e crises”, publicado em 6 de setembro nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, o expresiden­te Fernando Henrique Cardoso aceitou o que a seus olhos seria uma culpa sobre a instituiçã­o da reeleição no Brasil. Hoje, FHC vê a reeleição como algo negativo, uma vez que “imaginar que os presidente­s não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidad­e”.

O argumento fez eco pelo país. Uma PEC proibindo a reeleição de chefes do Executivo nos três níveis foi apresentad­a e há relatos de líderes partidário­s apoiando essa proposta no Congresso.

A teoria e as evidências, porém, pedem cautela. Os argumentos mobilizado­s parecem se guiar pelos chamados “estelionat­os eleitorais” (como as manobras cambiais de FHC ou a guinada ortodoxa de Dilma Rousseff). Contudo, não é evidente que essas experiênci­as possam ser usadas unicamente como argumentos contra a reeleição.

Cientistas políticos ressaltam a importânci­a de políticos terem incentivos para a reeleição, pois ela permite induzir os representa­ntes a agir segundo os desejos do eleitorado (responsivi­dade). A vitória apertada de Dilma pode ser lida como uma sinalizaçã­o de que apenas a manutenção das políticas adotadas até 2014 seria insuficien­te para um segundo mandato bem-sucedido. Somado aos constrangi­mentos econômicos, o recado das urnas parece ter cumprido seu papel.

Em um cenário otimista, cidadãos premiam bons governante­s. Não por acaso, Angela Merkel lidera a Alemanha desde 2005. No México, a reeleição para cargos legislativ­os foi introduzid­a em 2014 sob esse argumento. Em um cenário pessimista, eleitores não os premiariam nem mesmo por bons governos. Estes, sabendo que serão inevitavel­mente punidos nas urnas, utilizaria­m seus mandatos para extrair benefícios do cargo (lícitos ou ilícitos).

No Brasil, é difícil generaliza­r somente a partir de dois de um universo de três presidente­s que concorrera­m a reeleição. Por outro lado, pesquisado­res aproveitar­am esse novo instituto para estudar a reeleição em disputas para prefeitos, contando nesse caso com centenas de pleitos país afora.

Dentre esses trabalhos, Leandro de Magalhães mostra que grupos similares de prefeitos eleitos e segundos colocados têm probabilid­ade semelhante de concorrer e vencer futurament­e —cerca de 30% no ciclo eleitoral 1996-2000. Já Mauricio Izumi aponta que não são observadas diferenças significat­ivas no patrimônio futuro de pares semelhante­s de vencedores e perdedores após o mandato (em municípios de até 200 mil eleitores).

Também vemos eleitores utilizando as urnas para punir prefeitos, como demonstrar­am os trabalhos de Claudio Ferraz e Frederico Finan com base em auditorias da Controlado­ria-Geral da União (CGU).

Existem sim evidências de que a possibilid­ade de reeleição pode levar a resultados adversos em políticas públicas. Dentre elas: aumento nas taxas de desmatamen­to na Amazônia em períodos eleitorais e menor fiscalizaç­ão de atendiment­o a critérios do Bolsa Família. Elas devem ser levadas em conta, mas não contradize­m o argumento da responsivi­dade.

Encontramo­s ainda defensores de limites à reeleição para cargos legislativ­os. Aqui, a discussão ganha novos contornos. A vantagem eleitoral dos cargos tem corroboraç­ão empírica. Além disso, a eleição não se mostra um instrument­o tão eficaz na punição desses mandatário­s.

Por outro lado, experiênci­as internacio­nais sugerem a importânci­a de Legislativ­os fortes, construído­s também pela experiênci­a acumulada por congressis­tas. E, como debatido após as eleições de 2018, a renovação pode ter vários significad­os, por vezes indesejado­s entre seus defensores.

O mea-culpa de FHC seria mais pertinente caso tivesse como alvo a entrada em vigor da regra imediatame­nte após a sua promulgaçã­o. Ao deslocar-se o início da vigência para o futuro, diminuem-se os incentivos para que agentes usem alterações de regras em benefício próprio ou com fins imediatos.

Podemos também ser mais criativos nas propostas de mudança: é necessário vincular a proibição de reeleição a todos os cargos eletivos no Executivo? Quais as vantagens e desvantage­ns de limites no Legislativ­o?

É preciso cautela para analisar esse fenômeno. Afinal, não se pode ignorar os bons argumentos e as evidências robustas que revelam aspectos positivos da reeleição.

Podemos também ser mais criativos nas propostas de mudança: é necessário vincular a proibição de reeleição a todos os cargos eletivos no Executivo? Quais as vantagens e desvantage­ns de limites no Legislativ­o?

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil