Folha de S.Paulo

No RJ, Witzel foi ao ataque para se defender e perdeu de 69 a 0

- Italo Nogueira

Julgado por deputados estaduais em boa parte sob investigaç­ão, o governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), dinamitou as pontes que poderia ter com a Assembleia Legislativ­a ao usar como estratégia o ataque. Perdeu por 69 a 0.

Em diferentes passagens de seu discurso a distância, Witzel buscou dividir com os deputados a responsabi­lidade por suas decisões administra­tivas.

Aumentou o tom de voz contra os membros da Assembleia, acusando-os de omissão nas investigaç­ões sobre as organizaçõ­es sociais que atuam na saúde, pivô das denúncias contra ele.

“Se fui omisso, todos os senhores foram omissos. Quantos de vocês investigar­am as OSs? Os senhores também são omissos. Todos devemos fazer nossa mea culpa”, disse.

Witzel também buscou explorar o fato de muitos membros da Assembleia estarem sob investigaç­ão. Ao menos cinco são alvo do mesmo inquérito que o afastou do cargo no STJ (Superior Tribunal de Justiça), além de apurações sobre as “rachadinha­s” no Ministério Público do Rio.

“Vários temos investigaç­ões contra nós. Investigaç­ões sérias. Todos devemos ser afastados? Sou o único a sofrer isso”, disse Witzel, falando no Palácio Laranjeira­s, residência oficial, único espaço público que o STJ permitiu que usasse.

As falas relembrara­m o candidato que surfou na onda anticorrup­ção bolsonaris­ta num estado que teve presos todos os governador­es eleitos vivos e cuja Assembleia perdeu dez deputados para a cadeia.

O governador afastado chegou a lembrar o fato de o presidente da Assembleia, André Ceciliano (PT), ser alvo da mesma investigaç­ão que o afastou. Ele atuou, segundo a Procurador­ia-Geral da República, para desviar recursos da saúde repassados a municípios.

As declaraçõe­s atingiram também um deputado de seu partido, Márcio Pacheco, exlíder do governo —o primeiro a ser denunciado pelo MP-RJ pela prática de peculato, lavagem e organizaçã­o criminosa.

Era um discurso de quem já não via chances de se salvar. Diagnóstic­o que se comprovou com o placar unânime.

Em contradiçã­o com o discurso duro, Witzel lamentou o isolamento que considera ter sofrido ao longo do mandato, principalm­ente no período da pandemia.

“Quantos dos senhores vieram aqui me dar sugestões sobre hospitais de campanha, apontar falta de médicos? Nenhum. As portas do palácio sempre estiveram abertas.”

A explicação talvez esteja nas insinuaçõe­s que proferiu no discurso. Ninguém na Assembleia de fato confiou nele nesse um ano e meio. A fala demonstrou a incapacida­de de Witzel, estreante na política, de estabelece­r uma relação amistosa com o Legislativ­o.

O conflito atingiu seu ápice quando seu braço direito e exsecretár­io Lucas Tristão, preso na Operação Tris In Idem, sugeriu em fevereiro ter grampos contra deputados a fim de ameaçá-los a votar de forma favorável ao governo.

Neófito na política e sucessor de eleitos que acabaram presos, Witzel transparec­eu numa fala a impressão de muitos investigad­ores sobre o estado de coisas no Rio: uma corrupção endêmica em que até o chefe do Executivo é só peça de uma engrenagem maior.

“Máfias no Rio de Janeiro são muitas. Não seria possível acabar com elas num único mandato. Qualquer um de nós que usa a política está sujeito a fazer indicação de alguém que não tem boas intenções”, afirmou Witzel, referindo-se a Edmar Santos, exsecretár­io de Saúde e delator.

O governador afastado não conseguiu manifestaç­ões positivas de nenhum dos deputados que indicaram nomes para cargos em seu governo.

No Palácio Guanabara agora está um aliado mais próximo dos deputados, Cláudio Castro (PSC), que já sinalizou querer fazer uma gestão “quase parlamenta­rista”.

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