Folha de S.Paulo

Brincando com fogo

Erro de cálculo pode levar a confrontaç­ão militar entre China e EUA

- Tatiana Prazeres

Senior fellow na Universida­de de Negócios Internacio­nais e Economia, em Pequim, foi secretária de comércio exterior e conselheir­a sênior do diretor-geral da OMC

“Se aguerra estourasse hoje ”éo título do vídeo promociona­l divulgado nesta semana pelo Exército chinês. Projetando força e cantando em uníssono, soldados se dizem prontos para morrer pela defesa de cada centímetro do território. Não é por acaso que essa peça foi produzida agora.

Até onde vaia animosidad­e entre China e EUA? São reais as chances de confrontaç­ão militar? O que antes parecia impensável, agora não é mais. O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, cunhou nova máxima em relação à China: “desconfie e verifique”, alterando a famosa frase de Ronald Reagan sobre a União Soviética ,“confie, mas verifique ”.

O ministro das Relações Exteriores da China reconheceu que as relações com os EUA estão no seu pior momento em 40 anos.

Se éque uma confront ação pode ocorrer, os cenários mais plausíveis são o mardo Sul da China e Taiwan. O primeiro, mais provável pelo risco de um acidente. O segundo, mui tomais explosivo.

Washington endureceu posição em relação às pretensões chineses no mar do Sul da China. Por incrível que pareça, pode haver uma colisão não intenciona­l. Em 2018, um choque entre embarcaçõe­s militares dos dois países foi evitada por 41 metros.

A situação de Taiwan, por sua vez, foi tema relativame­nte poupado. Isso acaba de mudar. Donald Trump, o presidente-candidato, atua agora no que, para a China, é o mais nevrálgico de todos os pontos sensíveis.

Em menos de dois meses, Washington demonstrou apoio político a Taiwan com visitas históricas de autoridade­s de alto escalão a Taipé. Propôs pacote robusto de venda de armas para a ilha e deu novo impulso à ideia de um acordo comercial.

Em resposta, a China intensific­ou exercícios militares no estreito de Taiwan. Autoridade­s da ilha afirmaram que tal comportame­ntonão contribui para a imagem internacio­nal da China. Como se Pequim minimament­e se importasse comisso diante do que vê co moris copara sua soberania e integridad­e territoria­l.

Washington mantém apolítica de“uma única China ”, mas, ao mesmo tempo, rejeita a reunificaç­ão política anão ser por meios pacíficos. Nos EUA, alguns defendem que teria expirado a validade da política de ambiguidad­e em relação a Taiwan. Defendem que os EUA deixem claro que, em caso de um ataque militar, os americanos sairiam em defesa da ilha.

Ocorre que, para a China, convém neste momento manter o equilíbrio delicado do status quo. Não pretende retomar à força o controle sobre a ilha, algo arriscado. Mas vai subira temperatur­as e os americanos continuare­m a empoderar Taiwan. Mais do que antes, a China de hoje se sente em condições de expressar contraried­ade coma presença americana nas suas barbas.

Num ensaio sobre China e EUA para a Foreign Affairs, Kevin Rudd, ex-premiê australian­o, lembra como um incidente menor —o assassinat­o de um arquiduque austríaco em 1914— serviu de estopim para o início de uma guerra entre grande potências em questão de semanas. A comparação pode soar exagerada, mas o lembrete é oportuno.

Ninguém acredita que China ou EUA, duas potências nucleares, desejem uma guerra. O problema é que um incidente pode servir de fagulha para um estrago de grandes proporções.

Os canais de comunicaçã­o em alto nível não fluem bem, a animosidad­e é grande e a confiança chegou ao fundo do poço.

Nos últimos anos muitos e falousob reuma nova guerra fria. A possibilid­ade de uma guerra para valer não deve ser descartada.

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