Brasil deve ter laços com Washington e Pequim, diz ex-embaixador
O governo brasileiro precisa atuar de forma a manter as boas relações com os EUA e com a China, sem escolher um lado na disputa, avalia Thomas Shannon, embaixador americano no Brasil entre 2010 e 2013.
“Obviamente, as duas relações comerciais são importantes. A proeza para a diplomacia brasileira será manter essas duas relações e conseguir obter o máximo de coisas boas para o Brasil, sem gerar revolta ou danos ao relacionamento com nenhum dos lados”, disse Shannon, em debate virtual organizado pelo CEBC (Conselho Empresarial Brasil-China) nesta quinta (24).
“O governo do presidente Bolsonaro tem sido muito claro no apoio aos EUA e em sua relação com o presidente Trump. Em seu discurso na [Assembleia Geral da] ONU, Bolsonaro deixou claro que o Brasil vai se engajar com países que não apenas trazem vantagens comerciais, mas que refletem os valores do Brasil. Foi uma mensagem significativa aos chineses.”
Shannon, que se aposentou da carreira de diplomata em 2018 e atua como consultor, disse ainda que o Brasil pode ajudar ambos os países, que vivem espécie de Guerra Fria 2.0, a se entenderem melhor.
“A relação entre EUA e China depende muito de como os outros parceiros se relacionam com os EUA e com a China, e nisso o Brasil tem um papel muito importante, de ajudar os EUA a entenderem a importância da China em uma América do Sul globalizada, e de ajudar a China a entender a importância da democracia, do respeito aos direitos humanos e às regras e acordos internacionais.”
O ex-embaixador destacou que a percepção negativa sobre o país asiático cresceu rapidamente nos últimos anos nos EUA e atualmente atinge cerca de 60% da populaçã. “Essa visão ruim da China limita o que [o democrata] Joe Biden poderá fazer, caso vença.”
O índice citado por Shannon encontra ressonância em pesquisas —e em patamar ainda mais elevado. De acordo com levantamento realizado pelo Instituto Pew e divulgado no fim de julho, 73% dos americanos afirmam ter uma visão desfavorável do país asiático.
“A China se tornou uma questão importante na campanha de Trump. Ele deixou muito claro no discurso na ONU que os EUA a veem como uma potência que precisa ser ao menos constrangida”, afirmou. “E outros nomes do Partido Republicano, que podem ser candidatos à
Presidência em 2024, como Mike Pompeo, Nikki Haley, Ted Cruz, Tom Cotton, Marco Rubio, também têm fortes plataformas anti-China”.
Shannon lembrou que Trump iniciou o mandato, em 2017, tentando uma aproximação pessoal com o dirigente chinês, Xi Jinping, num movimento que envolveu as conversas de paz com a Coreia do Norte. Entretanto, as relações diplomáticas se esgarçaram e as disputas comerciais se tornaram o ponto central.
“Há uma divisão no governo Trump: um grupo vê o comportamento da China como predador e perigoso, mas como algo que pode ser mudado com o tempo”, analisa. “Já outros acreditam que se trata de um país implacável e que a única salvação para os EUA é se afastar e arruinar a China, econômica e tecnologicamente, de modo que ela não possa se recuperar rapidamente.”
Apesar da tensão, o ex-diplomata avalia que a relação entre as potências não está fadada ao conflito. “Minha visão pessoal é que a ideia de separar [as relações econômicas] é loucura”, afirma. “O sucesso econômico dos dois países está interligado.”
Shannon começou a carreira como diplomata nos anos 1980. Após deixar o cargo no Brasil, tornou-se conselheiro do Departamento de Estado. Ao se aposentar, no começo de 2018, era o número três na hierarquia da instituição. Atualmente, trabalha como consultor de relações internacionais em um escritório de advocacia.