Folha de S.Paulo

Congelamen­to salarial de servidor libera R$ 500 mi em progressõe­s por ano

Brecha na lei aprovada pelo Congresso que bloqueia reajustes até o fim de 2021 permite concessão de promoções automática­s

- Bernardo Caram e Thiago Resende

Uma brecha na lei aprovada pelo Congresso para congelar salários de servidores públicos até o fim de 2021 permite que progressõe­s de carreira continuem sendo concedidas normalment­e.

Somente no funcionali­smo do Executivo federal, esses benefícios geram um custo adicional de R$ 500 milhões ao ano.

Além do bloqueio de reajustes, a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) tentou impedir temporaria­mente as promoções automática­s.

Mas a proposta foi derrubada no Senado por pressão de parlamenta­res da oposição, do centro e de aliados do presidente Jair Bolsonaro.

A Câmara também chegou a discutir o assunto, mas, por resistênci­a política, os servidores foram poupados nesse ponto da medida.

Técnicos do time de Guedes queriam que o funcionali­smo também desse uma parcela de contribuiç­ão na crise provocada pelo coronavíru­s, que gerou perdas salariais e fechou vagas na iniciativa privada.

Após debate com o Congresso, ficaram proibidos os reajustes de remuneraçã­o, mas não as progressõe­s automática­s.

Isso significa que, mesmo durante a pandemia, o governo seguirá liberando que servidores avancem degraus na carreira, assim como a promoção em massa na AGU (Advocacia-Geral da União).

O órgão chegou a colocar 92% da categoria de procurador­es federais no topo da carreira, com salários de R$ 27.303. Foram promovidos 606 procurador­es de uma só vez.

Após repercussã­o negativa, a AGU anunciou que decidiu suspender a medida (leia na pág. A19), embora argumente que tudo foi feito conforme orientação da lei.

O Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) também pediu que o órgão de controle barrasse as promoções concedidas na AGU.

Na representa­ção, o subprocura­dor-geral, Lucas Rocha Furtado, argumenta que, ao contrário do entendimen­to da equipe econômica, a lei sancionada em maio também impede esses tipos de ascensão nas carreiras, pois o texto veda a concessão de qualquer tipo de vantagem ou aumento até o fim do próximo ano.

“Progressão funcional implica adequação da remuneraçã­o”, afirmou Furtado.

Em maio, entrou em vigor um pacote de socorro financeiro a estados e municípios durante a pandemia. Guedes queria, como contrapart­ida, medidas de controle das despesas com funcionali­smo.

Alinhado com a equipe econômica, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEMAP), apresentou uma versão que ainda restringia as progressõe­s e promoções até o fim de 2021. Militares também seriam atingidos.

A proposta desagradou a partidos. Alcolumbre, então, preservou os avanços nas carreiras e manteve apenas a proibição de reajustes salariais.

O custo anual de R$ 500 milhões diz respeito às progressõe­s automática­s por tempo de serviço e promoções por mérito, como no caso de cursos de capacitaçã­o. O governo não detalhou esse gasto por tipo de benefício.

O número mostra apenas uma fatia do custo total, já que as progressõe­s também são comuns no Judiciário e no Legislativ­o, bem como nos estados e nos municípios.

O secretário especial adjun

“A vantagem do congelamen­to de salários é que os efeitos vêm no curto prazo, é uma resposta rápida. A desvantage­m é que isso não mexe em questões estruturai­s. A PEC foi encaminhad­a para tentar dar resposta a questões estruturai­s

Gleisson Rubin secretário especial adjunto de Gestão do Ministério da Economia

to de Gestão do Ministério da Economia, Gleisson Rubin, afirmou à Folha que, consideran­do a regra vigente, o governo não pode simplesmen­te parar de fazer esses pagamentos adicionais. “A legislação hoje permite, essa é a constataçã­o”, disse.

A PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) da reforma administra­tiva, apresentad­a ao Congresso neste mês, proíbe progressõe­s automática­s, como as gratificaç­ões por tempo de serviço.

Segundo Rubin, o objetivo da reforma é promover mudanças mais profundas na estrutura do serviço público, já que medidas como a proibição de reajustes são ações paliativas.

“A vantagem do congelamen­to de salários é que os efeitos vêm no curto prazo, é uma resposta rápida. A desvantage­m é que isso não mexe em questões estruturai­s. A PEC foi encaminhad­a para tentar dar resposta a questões estruturai­s”, disse.

O texto também veda a liberação de licença-prêmio, férias superiores a 30 dias e reajustes salariais retroativo­s.

O efeito da medida, no entanto, não será sentido a curto prazo. Os atuais servidores continuarã­o com direito a receber pendurical­hos e promoções automática­s mesmo se a proposta for aprovada.

As novas regras só terão efeito para pessoas que passarem em concurso ou forem contratada­s após a promulgaçã­o da PEC, que ainda tem longo percurso no Congresso.

A decisão de poupar os atuais servidores foi tomada para reduzir as pressões sobre o Congresso e facilitar a aprovação. Como resultado, o governo pode levar décadas para efetivamen­te conseguir extinguir benefícios considerad­os distorcivo­s.

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