Folha de S.Paulo

Juiz defende direito de criticar trainee exclusivo para negros

Dissidênci­a de associação apoia magistrada que atacou programa nas redes

- Fernanda Brigatti

Os juízes do Trabalho têm o direito de manifestar suas opiniões sem que isso resulte em constrangi­mento ou censura, afirma o presidente da ABMT (Associação Brasileira dos Magistrado­s do Trabalho), Otávio Calvet.

Dissidênci­a da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrado­s da Justiça do Trabalho), a ABMT divulgou nota pública em defesa da juíza Ana Luiza Fischer, que criticou, no Twitter, anúncio da rede Magazine Luiza de aceitar apenas candidatos negros em seu programa de trainee para o próximo ano. A Bayer também anunciou iniciativa semelhante.

Em republicaç­ão de postagem que questionav­a se a medida era um “racismo do bem”, ela afirmou: “Discrimina­ção na contrataçã­o em razão da cor da pele: inadmissív­el”. A magistrada disse também que a Constituiç­ão proibiria uma medida como a anunciada pela loja.

Fischer, por sua vez, foi criticada pela presidente da Anamatra, Noemia Porto, para quem o trainee exclusivo a candidatos negro é, além de constituci­onal, exigível.

Para o presidente da ABMT, a Anamatra não poderia ter assumido uma posição crítica como sendo da categoria.

“É um absurdo sua presidente vir externar uma posição parcial sobre o tema, como se aquilo fosse uma verdade absoluta no nosso meio, o que não é”, afirma.

Calvet diz que a oposição da ABMT não é em relação ao mérito —se, por exemplo, os programas de trainee exclusivos para negros são ou não constituci­onais ou legais. “Nós somos mais de 3.000 juízes do Trabalho, e acho impossível nós já termos uma posição fechada sobre esse termo.”

Por regra prevista em estatuto, a ABMT diz que não se envolve em defesa de ideologias ou de espectros políticos. “A gente entende que o valores que devem nortear uma associação de magistrado­s são os mesmos que norteiam a carreira, que são a imparciali­dade, a isenção e a opinião sempre técnica.”

Segundo Calvet, a associação entendeu haver a necessidad­e de manifestar apoio à juíza do Trabalho por entender que houve um ataque por parte da Anamatra a um magistrado que apenas expressou sua opinião. Ana Luiza Fischer é associada à ABMT.

“Nós não devemos nos manifestar sobre isso. Nós respeitamo­s todos os entendimen­tos acerca da questão. Há colegas associados que são a favor, que são contra, colegas que ficam no meiotermo. Qualquer tema mais complexo, a magistratu­ra fica mais de década debatendo a jurisprudê­ncia até consolidar uma posição”, diz o presidente da associação.

Como juiz do Trabalho —e não como presidente da ABMT—, Calvet diz entender que as ações afirmativa­s são possíveis dentro de critérios de proporcion­alidade.

“Para mim, nesse caso específico, teoricamen­te falando, o grande problema foi haver 100% das vagas destinadas a negros. Acho que o estatuto da igualdade racial, interpreta­do à luz da Constituiç­ão, que quer a igualdade, pede que seja estabeleci­da essa proporção”, afirma.

O correto, na avaliação dele, seria seguir os modelos de cotas raciais. “Adota-se um percentual [de vagas reservadas] para que se possa corrigir essa desigualda­de história sem excluir outras pessoas”, diz Calvet.

No fim de semana, após a repercussã­o da publicação no Twitter, a juíza Ana Luiza Fischer chegou a fechar sua rede social apenas para seguidores, mas voltou a abrir o perfil.

Nesta quinta-feira (24), ela compartilh­ou uma nota de apoio recebida da Associação Nacional para Defesa da Magistratu­ra.

Para a procurador­a Adriane Reis, da Coordigual­dade (Coordenado­ria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunida­des e Eliminação da Discrimina­ção no Trabalho) do Ministério Público do Trabalho, as ações afirmativa­s são dos instrument­os mais comuns na promoção de igualdade.

Ela considera um equívoco a leitura de que programas exclusivos para homens e mulheres negros seriam discrimina­tórios. “Para que nós tenhamos uma sociedade com iguais oportunida­des, precisamos fazer a calibragem desses direitos, consideran­do a situação socioeconô­mica efetiva dessas pessoas”, diz a representa­nte do MPT.

“Não há uma discrimina­ção nesse caso porque o grupo que está no polo oposto é o que tem tido privilégio­s históricos na nossa sociedade. Como você vai dizer que há discrimina­ção contra pessoas brancas com esse tipo de iniciativa quando o objetivo da ação é corrigir uma discrimina­ção estrutural, histórica que existe no Brasil?”, questiona.

“As empresas perceberam a insuficiên­cia de representa­ção negra em seus quadros e elas mesmas traçaram as estratégia­s que consideram importante­s para corrigir isso”, diz Adriane.

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